CANTAR COM OS MAIS NOVOS



CATEQUESE - MÚSICA – LITURGIA
por António José Ferreira, extraído do site http://www.meloteca.com/

Introdução

A música é uma prática cultural de grande relevo nas sociedades contemporâneas, em especial entre os mais jovens. Tendo consciência disso mesmo, a revista francesa Catéchèse dedicou em 1988 um número inteiro à música e ao canto na Catequese. Não tenho conhecimento que alguma publicação do gênero tenha sido feita alguma vez em Portugal. Contudo, a Igreja não pode hoje ignorar as novas tecnologias da informação e comunicação; com gastos relativamente reduzidos, pode promover estudos e disponibilizar elementos sobre um aspecto incontornável da atividade evangelizadora. Através da música o amor se exprime, a tristeza se transforma, a fé se estrutura. Cantar é assumir o seu dom e pobreza, é dar e receber.

A transmissão de idéias através do canto desempenhou um papel único quando a leitura e a escrita estavam confinadas a uma minoria. Com alfabetização generalizada, a música não deixa de ter um papel importantíssimo na transmissão de conteúdos, objetos e idéias - na publicidade, nas canções de intervenção na Liturgia e na Catequese.
Mas há que ter sempre em conta que tudo o que é produzido e manuseado pelo homem, pode ser objeto de uso e de abuso. Através da música se vendem detergentes e perfumes, carros e celulares, se propagam as ideologias, democracias e ditaduras.

1. Canto, mais do que palavras

Para nos encontrarmos realmente com a beleza, precisamos de tempo e disponibilidade. E a beleza pode abrir-se, como janela, caminho e ponte. Linguagem universal (nasce com os homens enquanto seres aptos para cantar e tocar), a música é um veículo natural de comunhão entre pessoas. Nela se une a diversidade dos povos, raças, sexos, idades, condições, temperamentos e línguas.

Cantar é tão gratuito e natural como amar. Não pertence à ordem da necessidade, da eficácia, da rentabilidade, mas da gratuidade e da entrega. A voz não é instrumento que se possa comprar ou vender: é-nos dado como dom, mas torna-se conquista na medida que se desenvolve a técnica vocal.

Foi dito: "quando falo, digo o que penso; quando canto, digo o que sinto". O aforisma é questionável; todavia, é verdade que através da música podemos revelar o que pensamos e sentimos a um nível diferente da linguagem falada. Desde os primórdios da Igreja, os missionários entenderam o papel crucial do canto na evangelização e no louvor. Não se pode cantar com verdade o Pai-nosso sem perdoar os irmãos, não se pode dizer "ouvi-nos, Senhor", sem humildade, não se pode cantar "O amor de Deus repousa em mim" sem um coração dócil.

Os cânticos e canções aprendidos na infância perduram ao longo da vida. São uma arte de operar em conjunto, gerando comunhão. Nesse sentido, não é essencial que todos cantem perfeitamente afinados; mais importante do que isso é que o canto coletivo exprima as vivências do grupo e das pessoas. Perante as dificuldades que, por vezes, as crianças experimentam em partilhar com os pais, o canto em conjunto é uma forma de colocar os pais em presença do que o grupo vive.

O canto é um elemento insubstituível na catequese e na liturgia. "O ritmo e a melodia ajudam à memorização de um texto" (E. Uberall, Chanter avec les enfants, in Signes Musiques 37, 4). Todos os manuais do percurso catequético sugerem um complemento musical, com gravações e cadernos. "O canto educa a fé" (A. M. AITKEN, Un répertoire de chants en catéchèse, in Église qui chante 252 (1990) 13).

O texto é memorizado através do ritmo, da melodia, da rima, das palavras ou idéias que se repetem, da seqüência lógica das afirmações. A rima cruzada, (ABA'B', ou ABCB') tão importante na poesia popular, e a organização do poema em versos regulares de 7 sílabas (chamado redondilha maior[1]), ajuda à memorização do texto. É o caso do cântico de Teodoro Dias de Sousa "A família de Jesus / é quem ouve o que Ele diz. / Quem fizer como ele fez, / viverá sempre feliz!"[2].

Assim, "o canto é um modo privilegiado de dizer um texto." (Isabelle Schiffman, Chanter avec les enfants, in Catéchèse 113 (1988) 59). Daí que não se possa cantar qualquer coisa. A uma pergunta de um membro de um coro de aldeia, um sacerdote que ia presidir à celebração respondeu um dia: "cantem qualquer coisa, desde que não seja a vareira!” (de Ovar, cidade e conselho do distrio de Aveiro, Portugal, o mesmo que ovarense, ovarino ou varino). Descontando o sentido de humor da resposta, a verdade é que existe muitas vezes uma conceição do canto como algo muito secundário e ornamental.

A seleção dos repertórios de canto deve colocar questões como esta: o texto possui boa qualidade literária, é rico em linguagem simbólica? Na relação texto - música, as sonoridades e rimas são naturais ou forçadas? A passagem de uma estrofe a outra está bem construída? O conjunto da melodia combina com o "tom" do texto? A memorização é fácil? No que se refere aos conteúdos da fé, Deus é apresentado de forma coerente com o que se apresenta da catequese?
Há cânticos cuja mensagem é de compreensão imediata ("Deus gosta de ti muito mais que possas imaginar"); outros apresentam uma feitura poética simples ("Eu sou uma carta escrita por Deus pelo poder do Espírito"); outros têm uma mensagem mais complexa de inspiração bíblica ("A semente é a tua palavra, Senhor").

A componente textual é muito importante e deve adaptar-se à psicologia da criança. Simplicidade não é simplismo, infantilidade não é infantilismo. A linguagem deve ser adaptada às crianças, mas não pueril. Um texto pode ser simples, ter qualidade poética e riqueza simbólica, apontando o Mistério de Deus que não se reduz às palavras. O vocabulário não tem que ser todo da idade das crianças: os mais novos também são capazes de aceder à dimensão poética e à riqueza simbólica dos cânticos. Mais do que explicar racionalmente, o canto abre portas ao Mistério.

[1] redondilha maior (ou simplesmente redondilha) = verso de 7 sílabas poéticas; redondilha menor = verso de 5 sílabas poéticas. Para entender melhor, pesquise no seguinte endereço: http://www.tvcultura.com.br/aloescola/linguaportuguesa/estilistica/generospoeticos-redondilhas.htm. Em breve publicarei um artigo neste blog sobre as formas da poesia clássica e moderna.
[2] Como esse artigo foi extraído do site www.meloteca.com, muito provavelmente este seja um autor português, cuja indicação do texto desconhecemos.

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