A evolução histórica do itinerário do Ciclo Pascal


Eurivaldo Silva Ferreira[1]

“Se há uma liturgia que deveria encontrar-nos todos juntos, atentos, solícitos e unidos para uma participação plena, digna, piedosa e amorosa, esta é a liturgia da grande semana. Por um motivo claro e profundo: o Mistério Pascal, que encontra na Semana Santa a sua mais alta e comovida celebração, não é simplesmente um momento do Ano Litúrgico: ele é a fonte de todas as outras celebrações do próprio Ano Litúrgico, porque todas se referem ao mistério da nossa redenção, isto é, ao Mistério Pascal” (Paulo VI, papa).

            O desenvolvimento da festa anual da Páscoa tem suas raízes nas comunidades do século II[2], que, a partir das palavras de Paulo trataram de acrescentar ritos próprios a uma festa que teve sua origem no judaísmo[3]. O que era então celebrado a cada domingo, passou a ser lembrado também anualmente, a exemplo dos judeus, numa ocasião solene, como sendo um domingo maior. Em torno disso se desenvolvem o tríduo e os 50 dias da páscoa. O pentecostes é mais primitivo que a quaresma, tendo sua origem na liturgia judaica e fundamentada no AT.
            Não deixando de lado a compreensão judaica, que lembrava a passagem do anjo do Senhor para libertar os que sofriam na escravidão do Egito, fato memorial lembrado pelos judeus, ou a páscoa dos judeus (cf Ex 12,1-14), os cristãos agora celebravam a páscoa como sendo a intervenção de Deus na história, ocasião em que liberta, com o seu Filho, aqueles que desejam fazer a passagem da morte para a vida. A memória, então, não se faz mais no sentido de comemorar um feito histórico (como assim o era na liturgia judaica), mas é interpretada pela ação de Jesus, com sua paixão, morte e ressurreição. Assim a festa deixa de ter caráter cronológico, apropriando-se de um sentido novo. A partir daí a separação entre festa pascal judaica e cristã. Esta última acrescida de ritos próprios e nãos mais judeus[4].
            Esses ritos próprios dos cristãos deram origem ao culto da igreja que nasce da páscoa para celebrar a páscoa[5]. Segundo Bergamini, essa festa era caracterizada pela vigília do domingo, e perdurou como sendo uma celebração semanal, no domingo, nos períodos do início da história da Igreja, que compreendem os século de I a IV, logo influenciada pela pelas comunidades cristãs que provinham do judaísmo, passou a ser celebrada anualmente, como sendo o ‘grande domingo’[6].
            Somente no século IV é que se estabelecem definitivamente outros dois aspectos a essa festa, precedida por um tempo de preparação e prorrogada por um tempo específico, este último considerado como um espelho ou reprodução desta mesma festa[7].
            Gregório Magno, no século IV, conclui o ponto alto do desenvolvimento do ciclo pascal, estabelecendo duas tendências fundamentais: uma de caráter histórico, adaptando o ciclo pascal às etapas históricas da paixão e ressurreição de Cristo, e outra, de caráter pastoral, em que utiliza a liturgia, visando a edificação espiritual dos fieis[8].
            É também no século IV que o drama da paixão de Jesus é distribuído em vários momentos, tendo em vista um apego maior à historicização dos fatos, conforme os relatos bíblicos. Como já havia a prática de batismo de adultos na vigília do domingo e a reconciliação dos penitentes antes da festa maior, a celebração da páscoa foi acrescida de um tempo de preparação, também inspirado nos ‘quarenta dias bíblicos’, que hoje chamamos de Quaresma[9].



[1] Mestre em Teologia pela PUC/SP, com concentração em Liturgia. Especialista em Liturgia, pelo IFITEG-GO. Formado em Teologia, pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da PUC/SP. Membro da Rede Celebra de Animação Litúrgica.
[2] Cf. testemunho de Eusébio de Cesareia, citado por J. Castellano, no verbete QUARESMA (Dicionário de Espiritualidade, Paulinas-Loyola, 2012, p. 2127).
[3] Cf. 1Cor 11,23-24: ...o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse..., que, segundo a Bíblia de Jerusalém, esse texto se coloca próximo ao de Lc 22,19-20.
[4] Dicionário Patrístico e de Antiguidades bíblicas, verbete ANO LIITÚRGICO, p. 104.
[5] Bergamini, A. Dicionário de Liturgia. Verbete ANO LITÚRGICO, p. 58.
[6] Bergamini, A. Dicionário de Liturgia. Verbete ANO LITÚRGICO, p. 59.
[7] Dicionário Patrístico e de Antiguidades bíblicas, verbete ANO LIITÚRGICO, p. 104.
[8] Dicionário Patrístico e de Antiguidades bíblicas, verbete ANO LIITÚRGICO, p. 104.
[9] Bergamini, A. Dicionário de Liturgia. Verbete ANO LITÚRGICO, p. 59.

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