A origem do Domingo: o dia do Sol


Eurivaldo Silva Ferreira

Por iniciativa dos cristãos que começaram a se reunir no domingo, devido ser esse dia em que Jesus ressuscitou, ficou marcado o Domingo como o dia da páscoa semanal. Os evangelhos relatam que Maria Madalena e outras mulheres foram bem cedinho até a sepultura de Jesus, a fim de prepararem seu corpo com perfumes, conforme rezava a tradição. Ocorre que, ao chegarem na sepultura, são surpreendidas, encontram-na vazia, o corpo não estava mais lá. Porém, fora do túmulo, a presença daquele que para elas devia ser o jardineiro a surpreende e este a chama pelo seu nome: Maria Madalena, e ela, chorando, lamenta a retirada do corpo do túmulo (cf. Jo 20,14-17; Mt 28,8-10; Mc 16,8; Lc 24,9-11). É o falar de Jesus ressuscitado que fez com que Maria anunciasse sua ressurreição aos discípulos e avisam: “Vimos o Senhor! Ele está vivo! Ele falou com a gente”. De fato, depois de várias constatações por parte dos discípulos e tempos depois Jesus aparecendo a eles na sala de jantar, torna a profecia realizada: a de que ele devia ressuscitar dos mortos.

Conforme também nos relata os evangelhos, este era o “primeiro dia da semana” (Mt 28,1; Mc 16,2; Lc 24,1.13; Jo 20,1.19). Conforme Ariovaldo[1], naquele tempo, entre os judeus, a semana começava com o dia seguinte após o sábado. Jesus morreu no sexto dia (para nós hoje: sexta-feira) e passou o sábado (sétimo e último dia) na sepultura... E foi precisamente a partir do seguinte, o “primeiro dia da semana”, que os discípulos e discípulas sentiram que tudo se renovou... A partir deste dia a Vida foi sentida como mais forte do que a morte.

É por isso que esse dia passou a ter um significado especial para os cristãos, por ele conter um simbolismo profundo, tanto fazendo memória da ressurreição de Cristo, como também nos lembra o dia do início da criação do mundo. É justamente essa relação com o Gênesis que nos faz lembrar o sol, pois no primeiro dia Deus separou a luz das trevas, criando o sol (cf. Gn 1,3-5), e no sétimo dia descansou (cf Gn 2,2-4). Para os cristãos, assimilando esse simbolismo, associaram a ressurreição com a Nova Criação, acontecida em Jesus Cristo, pelo acontecimento da ressurreição. É Jesus o Novo Sol. Ele reinaugura o novo dia da criação libertando a humanidade da morte, fazendo-a viver para a vida nova[2].

Para os cristãos, aproveitando-se de um motivo pagão que comemoravam num culto o dia do sol, estes associaram a este culto a festa da ressurreição, sendo para eles, Jesus o Novo Sol. Mais tarde, esse mesmo simbolismo também fará parte do ciclo do Natal, cujo dia mais comprido no verão no hemisfério norte estará associado ao nascimento do Jesus, o Sol da Justiça. É isto que Zacarias declara em seu canto:

3.
E, tu, menino, do alto Deus profeta, à frente dele irás, caminhos abrirás; do povo a salvação, das culpas o perdão, por seu imenso amor, tu anunciarás!

Nasceu pra nós o sol de nosso Deus, do céu veio um clarão pra quem, na escuridão, nas trevas quem dormia, recebeu um guia e no caminh’ da paz os nossos passos vão! Bendito seja!
[3]


Certamente, para os cristãos de hoje, custa-nos ainda o amadurecimento de o Domingo ser considerado como sendo o primeiro dia da semana e não o último. Fatores do nosso tempo, cercados de termos como ‘globalização’ e ‘exploração do trabalho’, dentre outros, ajudaram a construir a imagem do domingo como sendo o dia da trégua em meio às ruínas do lutar dos outros dias normais de trabalho. Contudo, termos como “roupa de domingo” ainda continuam muito em voga em nossos dias, justamente para salientar a importância deste dia como um dia diferente dos outros.

Às vezes, até para os nossos padres custa entender o Domingo como sendo o primeiro dia da semana, ao ponto de, costumeiramente despedir-se da celebração com um “bom final de semana a todos”, ou ainda, “tenho que preparar a homilia das missas deste final de semana”.

É justamente graças a essa sinalização dos tempos que precisamos diferenciar o domingo, páscoa semanal dos cristãos, dos outros dias, para não cairmos no ritualismo de sempre. É no domingo que o ritual se torna diferente. É nele que a ritualidade se torna elemento de contínua sacramentalidade.

No Antigo Testamento, pensava-se que a arca da aliança, escondida do sol numa caverna, um dia seria revelada por Deus ao seu povo (cf 2Mc 2,5-8). Porém, no Novo Testamento, o sol reaparece como o iluminador da arca, aquele que dá brilho esplendor. Também, a imagem da Mulher vestida de sol (cf Ap 12s.), Arca da nova aliança é a Mãe do Senhor, na qual o Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós (cf Jo 1,14)[4].

Para Basurko, graças à “ritualidade”, o espaço se estrutura; o tempo está balizado por sinalizações orientadoras; a existência humana se converte numa morada habitada por constantes e precisas esperas, que alimentam sua esperança; o mundo adquire sentido e sabor porque se sabe para onde se vai, e em que se apoiar[5].

Apoiar-se no domingo como nossa páscoa semanal é entendermos o mistério da encarnação do verbo e sua aparição na humanidade. Tem-se aí uma relação do Natal com a Páscoa. Jesus, ao vencer a morte, não deixa que a escuridão domine a terra, ele é o novo Sol da Justiça, que ilumina a todos.


[1] Cf. Ficha de Liturgia nº 2. Extraído de www.cnbb.org.br que disponibiliza em seu sitio Liturgia em mutirão as fichas de liturgia para reflexão e aprofundamento. Agora também publicado pelas Edições CNBB.
[2] Cf. Prefácio dos domingos comuns (o mistério pascal e o povo de Deus) I. Missal Romano.
[3] VELOSO, Reginaldo. Cântico de Zacarias (Lc 1,68-79). Conforme partitura in Ofício Divino das Comunidades. São Paulo: Paulus, 2001, p. 239.
[4] MONRABAL, Maria Victoria Triviño. Música, dança e poesia na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2006. p.42. Tradução de José Belisário da Silva (Coleção Liturgia e Música).
[5] BASURKO, Xavier. Para viver o Domingo. São Paulo: Ed. Paulinas, 1999. p.36. Tradução de Attilio Brunetta. (Coleção: Liturgia e participação).

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