Música brasileira na liturgia


Eurivaldo Silva Ferreira


Para Dottori[1], vale a pena lembrar que a música só pode ser considerada uma linguagem se desconsiderarmos a semântica. Semântica é o estudo das palavras ou translações sofridas, no tempo e no espaço, pela significação das palavras, ou ainda o estudo da relação de significados nos signos e da representação do sentido dos enunciados[2].

A questão da semântica na música brasileira foi muito controversa. Para alguns, isso era norma, entretanto para outros, o que valia era o enveredamento para a música européia, isto é, sem signos, apenas com a presença de audição rebuscada sem tradição cultural.

No Brasil, essa música com caráter cultural, passou a ganhar um espaço maior. Mario de Andrade foi seu maior representante, seguido de Villa-Lobos, cuja influência marcaram suas composições. Foi o chamado período Nacionalista ou simplesmente Nacionalismo.

Em se tratando das inúmeras discussões decorridas da música nacionalista, com seus caracteres absolutamente arraigados de nossa cultura, vejamos o texto abaixo, citando a colaboração do Alberto Nepomuceno, compositor musicista que morreu dois anos antes da Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922. O comentarista não apenas faz memória de sua colaboração na transformação dessa música brasileira em decorrência das raízes e das formas européias, como também o enaltece, preconizando sua participação na colaboração do referido movimento.

(...)Mas voltemos às considerações anteriores, no que concerne à utilização das formas e moldes europeus em sacrifício dos moldes brasileiros. Pergunta-se: Que moldes? Não existiam moldes brasileiros. Segundo José Maria Neves, a música popular continha elementos da cultura negra e indígena, que caminhava para a nacionalização desses elementos constitutivos, mas podemos falar em arte erudita brasileira? No começo do século o país carecia de compositores e obras de estruturação sólida e Nepomuceno aspirava "colocar a música brasileira no âmbito universal" não apenas por meio de efeitos e temas característicos, mas do conteúdo estruturado no plano tradicional das grandes formas: Sonatas, Sinfonias…(Helza Cameu). O que se conclui é que, ao mesmo tempo em que procurava uma forma brasileira de expressão musical, Nepomuceno não abria mão do patrimônio musical deixado pelas gerações anteriores, o que é de fato, uma virtude[3].

É passível de admissão ao nosso estudo que a música nacionalista tenha tomado suas formas na década de 20, quando, dadas as formas do fazer musical em meio às atividades rurais do nosso tempo, essa ganhou seu espaço e foi objeto de discussão entre os estudiosos musicistas da época, na procura de defender uma música com formas e harmonias que lhes fossem próprias. Com o avanço da industrialização, a música urbana também ganharia seu espaço. Assim, a MPB ganhou seu espaço e obteve seu público-alvo.

Para Dottori, é enganoso pensar que a música apenas retrate o mundo. Ao contrário, ela também o constrói: muito da imagem que temos da Bahia deriva da música de Dorival Caymmi, muito da idéia de São Paulo como cidade italiana (na realidade, ele é multiétnica) vem de Adoniran Barbosa. Os exemplos são muitos: o samba carioca, o baião nordestino etc. É importante destacar o salto qualitativo entre esta música artesanal e a Canção Brasileira de Arte. Esta não é um gênero. Ao contrário, insere-se na tradição da canção erudita, que passa por Schubert e Debussy, de incorporar elementos vários[4].

De fato, a canção brasileira passou por momentos de formação e apuração. É óbvio que não arriscaríamos dizer que ela foi inventada, mas sim recriada a partir de outras culturas, muito logicamente pelas raízes européias que aqui se instalaram por ocasião do descobrimento. No entanto, deve-se ainda destacar a influência de outros povos como os africanos, trazidos em navios negreiros e a musicalidade indígena aqui encontrada.

Na música brasileira, melodia e texto fazem uma combinação de arte à parte. Quiçá consigamos isso também na música e no canto litúrgico ritual.


[1] MAURICIO DOTTORI, compositor e musicólogo, é doutor em música pela Universidade do País de Gales, em Cardiff. Atualmente é chefe do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Escreveu o artigo Enigma e poesia na canção para a Revista Viver Mente e Cérebro, nº 149, junho, 2005. pp 76-77.
[2] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário básico da língua portuguesa. São Paulo: Ed. Nova Fonteira. p. 592
[3] BRAZ, Caio Sílvio. (Fortaleza, 1956). Compositor. In: A linguagem musical de Alberto Nepomuceno. Extraído de http://www.revista.agulha.nom.br/ag2nepomuceno.htm.
[4] VIVER MENTE E CÉREBRO. O poder da música. São Paulo: Ediouro, nº 149, junho, 2005. p. 77.

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