A Vigília da Ressurreição no Sábado Santo

Introdução

Inicia-se esta celebração com uma fogueira do lado de fora da Igreja, na qual é aceso o círio, e solenizado com o canto do Exulte, que mais acentua um elogio à noite, aquela em que Cristo ressuscitou. Como sinal cósmico, a noite em que se realiza esta celebração é a lembrança daquela noite em que só ela testemunhou a ressurreição.

O fogo aceso fora da igreja representa para nós o desejo ardente do céu, acendido pelo Pai (oração de bênção do fogo novo), ao mesmo tempo o desejo de sermos purificados, rumo à festa eterna . Começamos a Quaresma recebendo cinzas. Somos pós, mas ao mesmo tempo somos luz. Somos pó que gira em torno da luz. Essa representação nós a encontramos no universo com os planetas, grãos de pó, girando em torno do sol.

Nesta noite cantamos o esplendor de uma luz que jamais se apagará. Proclamamos as maravilhas de Deus que nos libertou das trevas da morte e nos devolveu à vida. Noite em que revigoramos nosso compromisso batismal. Ela é especial, pois é celebrada “em honra do Senhor”, por isso a chamamos como “mãe de todas as vigílias”, pois nela a Igreja toda permanece à espera da ressurreição do Senhor e celebra-a com os sacramentos da iniciação cristã .

Por ser uma noite memorável, lembramos a libertação do povo hebreu, que livres da opressão do faraó, no Egito, atravessaram o Mar Vermelho a pé enxuto. Esta noite é para os judeus a lembrança de que Deus agiria em favor deles, libertando-os. Como memorial que deveria ser perpetuado, a pedido mesmo de Deus, nós a remetemos a Jesus, pois nesta noite, “Jesus rompeu o inferno, ao surgir vencedor da morte” (cf. Missal Romano) .

É nesta noite que voltam com toda a força o Hino de Louvor e o Aleluia, que são cânticos da assembleia ressuscitada, sinal do povo que se põe de pé, como a multidão do Apocalipse vestida de branco, caminhando rumo à Jerusalém celeste.
Nesta noite a páscoa de Cristo se faz a nossa páscoa, celebrada pela forma do sinal, ou seja, do sacramento. Os elementos cósmicos desta celebração: fogo, água, pão e vinho, nos recordam a atuação de Deus no plano da história da humanidade, que quer salvá-la, ‘pascalizando-a’ por meio de Cristo Jesus.

A verdade dos sinais e o rico conteúdo oferecido ao povo cristão nos ritos e orações deveriam ser os elementos de principal capricho das equipes de liturgia e de quem preside. A liturgia toda é feita de ações simbólicas e gestos, que devem ser realizados com tal dignidade e expressividade , tendo em vista a participação ativa, frutuosa e consciente, ou seja, todos devem compreender o significado dessas ações por sua força de beleza e expressão, na voz de canta, de quem proclama ou de quem preside.

A Vigília Pascal tem a seguinte estrutura: acendimento do fogo novo e canto de elogio à noite e ao círio pascal; liturgia da Palavra, em que são contempladas as maravilhas que Deus operou em favor do seu povo desde o início; uma liturgia batismal e a liturgia eucarística.

Todas as nove leituras desta noite são intercaladas por orações e salmos responsoriais, que favorecem a meditação e o silêncio. São sete leituras do AT e duas do NT: a Carta de Paulo aos romanos e o Evangelho. O zelo estético que se dedicam os leitores e cantores deve estar em atenção ao plano da participação mais atenta, viva e interior da assembleia.

Nas leituras da Vigília Pascal, que possuem caráter batismal, começando por Moisés e seguindo pelos profetas, a Igreja interpreta o mistério pascal de Cristo. Essas leituras descrevem os acontecimentos culminantes da história da salvação, que os fiéis devem poder tranquilamente meditar por meio do canto do Salmo responsorial, do silêncio e da oração de quem preside . O significado tipológico das leituras do AT tem suas raízes no NT, e aparece sobretudo na oração pronunciada por quem preside depois de cada uma das leituras. Uma breve introdução, para chamar a atenção dos fiéis, poderá ser também útil para que se compreenda o significado das mesmas . Por exemplo, na oração presidencial depois da 1ª leitura, o Mar Vermelho é agora símbolo da fonte batismal; assim como o povo liberto da escravidão é agora o símbolo do povo renascido pelo batismo.

O relato dessas leituras nos faz entender que pertencemos a um povo que tem sua origem na criação do mundo, em Gênesis, e que se concretizou com Abraão, no intuito de percorrer lugares ainda incertos, mas sempre com a companhia de Deus, muitas vezes passando por momentos de opressão e de medo, até que aparece um libertador, que nos faz passar pelas águas da vida, mudando de uma situação de opressão para uma realidade de libertação. Foi assim mesmo que aconteceu com Jesus e com os profetas. Tinham o Espírito de Deus consigo, que os animava a sempre fazer a vontade de Deus, que os abastecia, com um coração novo, com água e com sua sabedoria.

Nesta celebração, ouvindo esses relatos, somos reabastecidos com a fonte viva, a fonte batismal, e sabendo que o que aconteceu com Jesus é o mesmo que acontecerá com a gente (Deus não nos deixará abandonado na região dos mortos), cantamos sua ressurreição, explodindo num ‘louvai a Deus’, expressão do Aleluia pascal, porque Cristo é o protótipo do vencedor, daquele que, passando pela escuridão da noite, soube vencer o medo, a tristeza, até mesmo a morte. Por consequência disso, partilhamos alegres, pão e vinho, para a nossa ceia com o Senhor e com os irmãos, e prolongamos essa alegria por todo o tempo pascal, como se fosse um só dia de festa, até Pentecostes, ocasião em que a Igreja se vê ajuntada nessa esperança espiritual de ser dom para a vida do mundo.

Os Salmos desta noite:
Salmo 103 (104): após a 1ª leitura, relata a criação, que não é apenas boa, mas é sagrada, e é descrita e pensada na Bíblia dentro do esquema da história da salvação, ou melhor, como primeiro ato da história. As estruturas que sustentam a criação são o Espírito de Deus e a sua Palavra. Essa narrativa da criação, na qual se faz nova à luz da experiência pascal, a Igreja a lê na noite da Páscoa . Contemplando este salmo, Santo Agostinho diz que ‘o trabalhador divino põe diante dos nossos olhos as maravilhas da sua obra, para estimular o nosso coração’ .

Salmo 15(16): este salmo exprime, na oração, o abandono confiante em Deus, em cujas mãos é depositada a vida. A referência a Cristo ressuscitado está evidente no versículo: “E minha carne repousa em segurança, porque não me abandonarás no túmulo, nem deixarás o teu fiel ver a sepultura” . Relata a experiência de alguém que confia plenamente no Senhor, renunciando até a não obedecer a outros deuses; em meio a alegria, sente-se seguro, pois sabe que em Deus tem a garantia segura de que ele nem na morte o abandonará .

Êxodo 15: é o término da terceira leitura. Uma espécie de continuação cantada daquilo que já foi lido. Naturalmente é com esse texto que se desenvolve a tipologia batismal em que se lembra da páscoa-passagem e da páscoa-paixão .

Salmo 29: responde à 4ª leitura como uma ação de graças de uma pessoa que se viu curada de uma doença mortal. O salmista começa por glorificar o Senhor pelo que lhe fez, a seguir convida os fieis a cantar salmos, só então dá inicio ao relato do que lhe aconteceu, por ter confiado nas forças do Senhor . Seus versículos são uma exaltação e um louvor ao Senhor “que tirou do túmulo a minha vida, que me fez reviver dentre os que baixam à cova”, com evidente referência a Cristo ressuscitado .

Isaías 12,1-6: a celebração da páscoa, sacrifício de aliança universal, torna-se atual para nós no convite à salvação que o profeta Isaías nos dirige na leitura anterior (cf. Is 55,1-11). Esta salvação é celebrada com ação de graças pelo próprio texto do profeta .

Salmo 18(8-11): este salmo celebra a lei do Senhor. Se o pecado nos afastou de sua lei, o Espírito Santo, sabedoria divina, nos reconduz a esta família e faz com que nela permaneçamos .

Salmo 41: com este salmo a assembleia expressa o desejo do encontro com Deus. Santo Agostinho viu neste salmo a oração dos catecúmenos, que se dirigiam para a graça do batismo, a fim de obter a remissão dos pecados e saciar a sua sede espiritual na fonte de água viva, que é Cristo Senhor. Com os versículos deste salmo expressam-se os sentimentos de alegria e gratidão pelo dom de aproximar-se do altar da eucaristia .

Aleluia + Salmo 118: Santo Agostinha dizia ao seu povo: “Com o canto do Aleluia nós expressamos a época de alegria, de repouso e de triunfo representada aqui em baixo pelos dias do tempo pascal. Contudo, ainda não possuímos o objeto de nossos louvores, mas suspiramos à procura do verdadeiro Aleluia. O que é que significa Aleluia? Louvai a Deus… Se, após a ressurreição do Senhor, este louvor multiplicou-se na Igreja, isto significa que após a nossa ressurreição nós o cantaremos sem interrupção. Assim, caríssimos, louvemos então o Senhor; repitamos Aleluia. Representamos nestes dias do tempo pascal o dia que não terá fim; apressamos o nosso caminho em direção à morada eterna… Cantamos Aleluia, mas ainda como peregrinos e, cantando aliviamos as nossas fadigas; canta e caminha” .

As orações presidenciais:

Após 1ª leitura: coloca em relevo o significado da 1ª leitura (admirável grandeza de Deus tão grande no começo do mundo quanto na plenitude dos tempos). Após 2ª leitura: interpreta o texto do Gênesis em sentido batismal (responder à graça do chamado através do batismo). Após 3ª leitura: expressa a tipologia batismal do Êxodo (a água que liberta da opressão é a mesma que acolhe para Deus, como filhos seus).
Após 4ª leitura: expressa o pedido de multiplicação dos descendentes (filhos), para que a Igreja possa ver o desígnio de salvação já acreditado pelos pais. Após 5ª leitura: sublinha o hoje da salvação (reavivar a nossa sede de salvação e progredir nos caminhos da justiça pela força do Espírito). Após 6ª leitura: invoca a proteção divina sobre aqueles que Deus fez renascer na água do batismo. Após 7ª leitura: suplica para que se realize na Igreja, sacramento de salvação, a obra do Filho e que ela seja sinal para o mundo. Após o Hino de Louvor: acentua a ressurreição de Cristo que ilumina esta noite santa, e suplica o despertar em todos o espírito filial para sermos fiéis ao serviço (servir de coração).

Na Oração sobre as oferendas a Igreja suplica ao Pai que a vida que brota do mistério pascal seja por sua graça penhor da eternidade.

Na Oração pós-comunhão o pedido é que o Pai derrame em todo o povo o seu espírito de caridade, para que, saciados pelos sacramentos pascais, permaneçam unidos no seu amor. O Prefácio nos lembra que Cristo é o Cordeiro, que com sua morte, destrói a própria morte, a fim de que nos dê a vida.

Na liturgia batismal:
O sinal a ser evidenciado agora é a água. A atenção da assembleia se volta nesta parte da celebração à fonte batismal. A fonte batismal é o lugar onde a Páscoa de Cristo se fez nossa, no sinal de água e na procissão da fé trinitária. A fonte tem dois sentidos: túmulo do pecado e ventre materno de onde nasce a vida (Cirilo de Jerusalém). Desde os primeiros séculos a Igreja ligou a celebração do batismo à noite pascal. O texto de Paulo (Rm 6,3-4: sétima leitura) desenvolveu a teologia batismal, ligada com a ressurreição de Cristo: batismo é ressurgir com Cristo para uma vida nova. Batismo é então “sacramento pascal”, porque é “sacramento da paixão de Cristo” (Cirilo de Jerusalém, Gregório de Nazianzeno e Ambrósio). De fato, é o “sacramento da ressurreição” (Tertuliano, Basílio e Agostinho). É também o “sacramento do martírio” (Melitão de Sardes: ‘Duas coisas provocam a remissão dos pecados: o martírio por Cristo e o batismo’).

A oração de bênção da água lembra através das Sagradas Escrituras todos os grandes temas batismais acima expostos. A bênção da fonte significa que a graça do batismo não brota da água como elemento material, mas do Espírito Santo que a santifica. Isso é expresso através do sinal da imersão do círio na fonte batismal. O batismo é ministrado nesta hora e, em seguida, toda assembleia renova as promessas do batismo, sendo depois aspergida pela mesma água oriunda da fonte batismal.

Na liturgia eucarística:
É o coração da vigília pascal. Tudo o que a Igreja realiza durante todo o ano litúrgico converge para esta missa e parte desta missa pascal. É nesta celebração que se realiza verdadeiramente a instituição da Eucaristia, pois Eucaristia é mistério pascal vivido e assimilado pela assembleia reunida em torno de Cristo ressuscitado, com os sinais de pão e vinho, corpo e sangue doados pela vida do mundo, tornado agora banquete festivo para os que passaram pela morte e estão ressuscitados com Cristo.

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