A redenção por meio do amor

(a partir das aulas de Cristologia, na Pontifícia Faculdade Teologia Nossa Senhora da Assunção, da PUC/SP)
Eurivaldo Silva Ferreira

         Ao final da Sexta-feira Santa vale a pena nos fazermos a seguinte pergunta: do que somos salvos e para que somos salvos? É nessa perspectiva que a teologia nos ajuda a entendermos a natureza da redenção e a natureza de Jesus enquanto redentor. São perguntas que os teólogos devem dar uma resposta, principalmente levando em conta a afirmação da nossa fé, que Jesus ressuscitado é o redentor do universo. Mas de que modo Cristo desempenhou, cumpriu, levou a término o seu papel de redentor? O que fez em primeiro lugar? Libertou-nos do pecado ou nos amou? É interessante nos determos nessas questões. Vejamos.
A redenção tem que estar necessariamente ligada à expiação. Por isso o papel da redenção de Cristo está ligado ao papel de vítima. Jesus é a vítima, pois experimentou a própria morte na morte, diz a Carta aos Hebreus. Relacionar a redenção à ação transformadora do amor, fazendo com que o ser humano participe da vida divina, eis a tarefa, a missão de Jesus (Hb 2, 10-11).
As Escrituras nos autorizam a apresentar a redenção como algo existente, em graus diversos. Precedência do amor enquanto primeira explicação do como da redenção. O amor é a via que nos faz compreender a ação redentora de Deus. O amor na Escritura indica a motivação divina que ativa o mecanismo da salvação. O amor identifica como é potencializado esse mecanismo de salvação. A redenção é potencializada, isto é, colocada em ato através do amor. O motivo eficaz que desencadeia e torna presente essa ação redentora de Deus é o amor.
Podemos explicar isso através de dois motivos: uma enquanto motivação (Jesus participou da mesma condição, para destruir, com a sua morte, aquele que tinha o poder da morte, Hb 2,14); outra enquanto ação operadora (pois, tendo ele próprio sofrido ao ser provado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a provação, Hb 2, 18). A motivação se dá em vista da salvação (ação), Jesus tem o poder da morte, de ‘superar a morte na morte’, pois ele é a morte da morte.
Jesus só morre por amor: ‘prova de maior não há que doar a vida pelo irmão’. O amor é a via por excelência para compreender e interpretar o como do papel salvífico de Jesus. O amor não é somente o modo para articular a salvação, mas é a verdadeira chave para compreender a humanidade de Jesus, que lhe foi manifestado a natureza divina. O amor dá a misteriosa coerência de todo o drama da redenção. É manifestado na criação. Podemos falar de criação como ato salvífico de Deus, sim. Pois nela está manifestado o amor, e na história lhe foi dado, tendo como princípio a criação. Deus cria salvando e salva criando. O amor conquista tudo, tanto santifica como purifica. Por isso é importante sublinhar o aspecto do amor. Ele dá resposta enquanto fragilidade ligada ao termo histórico. É por isso que, tendo essa pedagogia do amor que cria, a Igreja nos coloca como 1ª leitura na Vigília Pascal, a narração da criação, pois, tendo Jesus amado, entregou-se por eles, ‘recriando’ tudo aquilo que nele foi ‘pascalizado’ por sua morte de amor, o universo e o cosmos, por completo.
O amor de Deus é gratuito, mas ele se alegra na medida em que recebe de nós uma resposta. O amor de Deus tem uma meta, que é despertar no humano uma resposta. Se não, a cruz de Cristo não tinha significado, só tinha um fim em si mesma. A resposta do amor gera união. Existe uma proximidade, um envolvimento, que se manifesta numa unidade de vida. Nós chamamos em teologia de ‘participação na vida de Deus’. No amor se manifesta a capacidade de recriar, e é a partir disso que nasce a fidelidade. Temos aí a noção de que o amor não é algo pontual, mas que vai sendo dinamicidade numa constante existencial. Essa dinamicidade vai se transformando pouco a pouco em desejo, por isso amamos e desejamos ser amados. O desejo não é algo feio que é combatido, reprimido, como dizem alguns por aí. O desejo é próprio da natureza de Deus, que ama e quer ser amado. Jesus mesmo desejou ardentemente comer aquela ceia com os seus amigos antes de morrer. É um desejo ligado ao amor e ao mesmo tempo contagiado de alegria, pois apesar de já ter feito isso em outras ocasiões, essa era uma ocasião especial, a de que seu desejo estaria ligado com o mesmo desejo do Pai, numa atitude de completude.
No amor há um desejo de se completar no outro. No ser humano isso corresponde ao amor erótico, na perspectiva de integrar-se na completude do outro, mas não devemos viver somente do amor erótico, também do amor ágape e do amor filia.
No relacionamento, quando se dá e se recebe, há um processo de volta, volta-se com um pouco da identidade do outro. Isso prova que houve interação, mesmo. Jesus reconhece que no seu amor há uma identidade do amor do Pai: ‘Como o Pai me ama, assim também eu amo vocês’ (Jo 15,9). É o que acontece com as culturas. Nenhuma cultura que se encontra com a outra fica pura de si mesma, mas há algo da outra cultura que ficou, que foi absorvida. Quando se ama, se parece com o outro.
O Pai vê a humanidade a partir do Filho encarnado. Se existe um corpo glorificado do Filho, esse corpo está marcado pelas chagas da paixão, que foram consequências de quem muito amou. A glorificação não anula as marcas das chagas, porque o amor continua, permanece. A divindade faz com que a humanidade entre no seio da Trindade. A questão da união e da fidelidade é algo que é característica do amor redentor de Deus. Existe uma unidade que jamais vai se separar. A redenção passa pela cruz, mas o glorificado está marcado pelas chagas da paixão.

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