Um 'balanço geral' das ações pastorais da comunidade paroquial

 
Eurivaldo Silva Ferreira

Chegando a mais um final de ano, todas as paróquias e comunidades fazem uma espécie de ‘balanço geral’. Realizam assembleias comunitárias e paroquiais e avaliam como foi o ano, sob o ponto de vista pastoral. É a partir dessas realidades que tento ajudar o(a) leitor(a) a compor essa teia de reflexões, e, neste artigo, atrevo-me a traçar um panorama da vida paroquial-comunitária ocorrida no ano civil que está chegando ao fim. Porém, é necessário, antes, nos perguntamos sobre nossas atividades paroquiais e pastorais, e se nessas atividades expressamos aquilo que a Igreja Universal (Católica) é no seu todo; ou ainda, se conseguimos realizar essa expressão, conforme planejamos; também é o caso de revermos se algo ficou para trás, ou que não foi concluído plenamente.

O apóstolo Pedro, em sua Primeira Carta, dirigindo-se aos pagãos que se converteram ao cristianismo, portanto aqueles que já aprenderam a linguagem bíblica e encontraram nela as palavras para definir sua nova identidade, exorta: “Vocês são a gente escolhida, o sacerdócio real, a nação santa, o povo que Ele (Deus) conquistou, a fim de que proclameis os grandes feitos Daquele (Jesus) que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa. Vocês agora são povo de Deus e são merecedores de misericórdia” (1Pd 2,9-10).

A exortação da Primeira Carta de São Pedro, em que nos delega um sacerdócio real a fim de que exerçamos fielmente nossa identidade no mundo é a chave para a compreensão da realização de nossa atividade pastoral. Será se exercemos nossas atividades pastorais na paróquia ou comunidade pensando como povo sacerdotal que somos? Acredito que nossas ações comunitárias devem ser por elas mesmas destinatárias da evangelização à qual a Igreja anseia. Assim, nosso critério de considerar nossa participação na porção do povo de Deus, por ele eleito, passa não mais ser visto a partir das divisões jurídicas estabelecidas por nossa forma de organização, mas que, de fato, todos se conscientizem desse direito: o de exercer plenamente a identidade de povo de Deus, povo sacerdotal, povo santo por Deus escolhido e chamado a sair das trevas para viver na luz.

Passar de uma identidade a outra é tomar poder na força do Ressuscitado que age no meio da comunidade, da paróquia. Podemos dizer que tomar poder é o mesmo que empoderar-se. Num artigo da Revista Vida Pastoral (Paulus), Pe. Pedro Bassini diz que ‘no empoderamento, devolvemos ao outro o direito que ele tem de sustentar uma relação em nível de pessoa, com sua característica pessoal, ou seja, no seu jeito de ser’. Jesus tem essa atitude com seus discípulos, ao subir ao céu: “Vão e façam todos meus discípulos!”. É isso que o apóstolo Pedro diz àquela gente a quem se duvidava de sua identidade cristã, só porque tratava-se de recém-convertidos. Quando tomamos consciência disso, é possível pensar que a realidade do Reino de Deus está bem perto de nós. Jesus, quando começou a evangelizar, disse: “Cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15a). O próprio Jesus como possuidor do Reino, quer que o Reino seja também posse de outros, ou seja, que nós tomemos posse do Reino. É bem conhecida aquela expressão bíblica: “Vinde, benditos do meu Pai, tomai posse do Reino que a vós foi preparado” (cf. Mt 25,34).

Nesse sentido, avaliar a realidade do trabalho pastoral é confrontar a realidade do discipulado, que se dá também na comunidade paroquial, com a utopia do Reino, propagando a fé e suas implicações, numa ação evangelizadora missionária, tanto interna, da pessoa toda, como externa, de toda pessoa. Assim, a paróquia, que não é o Reino, torna-se instrumento do Reino. Então, na paróquia, através de nossa ação pastoral, podemos viver uma espécie de mostra daquilo que será o Reino de Deus, quando tudo estiver entregue ao Pai, pelo Filho, nos últimos tempos. Será se nossa ação pastoral está em consonância com essa realidade? Se entendermos a dinamização do Evangelho de Jesus a partir de nossa prática pastoral, a paróquia se torna um centro irradiador dessa mensagem de Jesus, que está presente nas Sagradas Escrituras. Resgatar a significação da identidade cristã, a exemplo das primeiras comunidades, assim como fez São Pedro, é resgatar um jeito de viver o Evangelho como viveram as primeiras comunidades, adaptando-o às exigências reais dos dias de hoje. Por isso, dinamizar nossa ação missionária e evangelizadora, é continuar a ação de Jesus no espaço geográfico que nos foi confiado e num contexto presente, a partir do hoje de nossa existência. Esse espaço geográfico é compreendido juridicamente como paróquia.

Quando perguntamos se o trabalho pastoral desenvolvido na paróquia colaborou para que seus fiéis tivessem uma vida de acordo com a opção evangélica e vivessem a identidade cristã autêntica, perguntamos sobre um incentivo para que se viva uma vida sacramental. Desta forma, para que o Reino aconteça no espaço paroquial e no mundo, a Igreja se atribui dos sacramentos, ou seja, a Igreja também se empodera, buscando a força presente sob o signo dos sacramentos. Os sacramentos são sinais da presença do Reino entre nós e faz com que aqueles que os recebem se abram de coração à proposta do Reino. Eles são ações do próprio Cristo que atua em nós, que contribuem substancialmente para mudanças das realidades sociais. Essas realidades começam no nível paroquial, por isso têm como sustentação nosso trabalho pastoral. Pelos sacramentos a graça de Deus opera na Igreja e, consequentemente, no mundo. Será se temos consciência disso?

Por outro lado não podemos esquecer que, sendo Igreja, nós somos sacramento de Cristo, diz o documento conciliar Lumen Gentium. Na Igreja se dá a manifestação perceptível do mistério de Cristo, seja na realização dos sacramentos seja na realização e celebração do mistério eucarístico, envolvendo todas as suas partes. Cristo, por sua vez é o sacramento do Pai. Compreendemos então que por nossa ação pastoral, na Igreja, se dá o desenvolvimento de uma sacramentalidade cristológica. Essa ação deve transformar as realidades às quais nos encontramos. Por isso, a formação permanente pastoral e missionária passa pela instância sacramental.

Se acreditamos que os sacramentos transformam nossa realidade, o que se deve fazer para dar vida àquelas pessoas que se encontram em situações de abandono, de miséria, à margem da sociedade? O nº 306 do Documento de Aparecida fala que as paróquias devem ser centros de formação permanente, essa formação é requerida de uma conversão, diz o nº 370. Convertidos, percebemos que o Cristo que habita em nós pode mudar a realidade, assim como o sacramento muda, transforma minha realidade espiritual, deixando de lado aquilo que é velho, assumindo novas posturas, nova vida, novo ser. Por isso, toda formação da comunidade paroquial deve ter como fundamento a realidade sacramental e litúrgica. Por isso, a Eucaristia, o sacramento por excelência, deveria pelo menos ser o começo de um processo formativo ao qual nos conduz a uma meta: a transformação da realidade, desde o micro até o macro.

No processo formativo devem ser envolvidos os catecúmenos, a juventude, os agentes de pastoral, as equipes de celebração dos sacramentos e toda a comunidade em geral. A comunidade deve descobrir na Eucaristia e nos demais sacramentos a verdadeira fonte para a formação de uma espiritualidade sadia, sobretudo a espiritualidade litúrgica, em que as primeiras comunidades alimentavam seu admirável espírito missionário evangelizador.  Entendemos que a participação nos sacramentos é um exercício perene na busca da fonte de uma verdadeira espiritualidade, que brota da liturgia, principalmente da participação plena, consciente e frutuosa na Eucaristia, assim como queria o Concílio Vaticano II.

Também é preciso recordar nas celebrações dominicais, inclusive as celebrações em torno da Palavra de Deus, a liturgia deve ser entendida como o centro do mistério pascal. Isso pode e deve ser explicitado na ministerialidade dos agentes das celebrações litúrgicas, ministros leitores, cantores, acolhedores e do altar, através do exercício do ministério estável. Aí se entende a razão teológica da visibilidade do Corpo de Cristo, que se expressa na ministerialidade da Igreja, povo de Deus, povo de sacerdotes, como diz São Pedro, também reunido em assembleia litúrgica.
 Na liturgia duas preocupações nos cercam, tendo em vista sua real e nobre função: a natureza da liturgia e a necessidade da preocupação com a celebração da fé da comunidade, envolvendo aqui todos os sacramentos e sacramentais. Neste sentido, é a pastoral litúrgica a responsável pelo re-avivamento da fé da comunidade que participa das celebrações, seja no ritmo diário, semanal ou anual. É no transcorrer do Ano Litúrgico que a pastoral litúrgica exercerá seu papel. Seus membros agem na pastoral litúrgica não atuando como tarefeiros da liturgia, mas como agentes responsáveis no serviço da liturgia bem celebrada.

Merece destaque também a evidente ligação que a liturgia tem com a catequese. Devido sua natureza simbólico-sacramental, a liturgia oferece verdadeiros meios para um itinerário que conjugue fé e vida, espiritualidade e devoção, alimento da Palavra e do Pão. Quando liturgia e catequese estão juntas num mesmo barco, é possível perceber que aquele(a) que é iniciado(a) na fé, com a força da comunidade que é também iniciadora na fé, corresponde cada vez mais ao plano de Deus que atua em sua vida, no tempo, na história.

Enfim, no novo ano que se inicia, esperamos que todas as propostas pastorais e de catequese devem ter como foco a celebração do mistério pascal, alimento espiritual que aos poucos vai se tornando latente nas ações da comunidade paroquial, nestas ações se reconhece o povo de Deus como sendo um povo sacerdotal, num contínuo exercício orante daquilo que se celebra.

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