A Eucologia do Tempo do Natal

Eurivaldo S. Ferreira

Um conjunto a ser apreciado pelas comunidades cristãs é a riquíssima tradição das orações das celebrações do Tempo do Natal. Este conjunto orienta as comunidades para a perspectiva horizontal e vertical própria do tempo. Sobretudo aos que não têm acesso aos textos das leituras do Ofício Divino, que são fontes de espiritualidade, os textos da eucologia mostram um caminho pedagógico completo em sua força sacramental e espiritual, principalmente porque a graça prometida por Deus nos faz orientarmos nossas vidas de acordo com os seus ensinamentos. Esses ensinamentos são percebidos pela oração da Igreja.
Eucologia significa propriamente a teoria da prece (de euché: oração; e logos: tratado), isto é, a ciência que se ocupa das orações e das leis que regem sua formulação. Não obstante, a palavra é usada num sentido mais amplo para referir-se ao conjunto de orações contidas num formulário litúrgico, num livrou ou, em geral, em toda a tradição litúrgica. Este é o uso mais frequente da palavra. As fórmulas eucológicas foram criadas pela Igreja para exprimir, com a linguagem da oração, o mistério da salvação que se celebra (cf. FÉRNANDES, Luis Maria. A oração litúrgica. In: Manual de Liturgia, volume II. São Paulo: Paulus, 2005, p. 218-219).

A oração do dia, também chamada de ‘Coleta’, é constituída pela seguinte estrutura: uma invocação e um elogio ou reconhecimento; um pedido, uma finalidade (a finalidade, geralmente vem intermediada com uma ação nossa, da Igreja ou uma característica oriunda do próprio pedido) e uma intercessão, que geralmente é “por nosso Senhor Jesus Cristo...” .
As orações Coleta deste tempo são marcadas, sobretudo, pelo caráter festivo próprio da liturgia deste tempo. Se no Tempo do Advento, celebramos a vinda do Senhor como sacramento da espera e da atenção, o Tempo do Natal é marcado pela confirmação de que o Messias se faz presente no meio de nós como realização das promessas divinas. Essas celebrações recebem todo revestimento pascal, dados os motivos de sua densidade eucológica.

Para as comunidades que se reúnem no tempo do Advento para fazer seu retiro anual, sugiro como tema as orações do tempo do Natal. Um aprofundamento desses textos nos conduz num itinerário apropriado para aprofundarmos nossa fé e testemunharmos o Reino no mundo.

Como explorar num retiro o conjunto das orações:
Em grupos ou pessoalmente:
Nas orações e nos prefácios:
1. Identificar o mistério presente (de que mistério trata?);
2. Identificar nossa ação diante do mistério (o que pede para a Igreja/comunidade?);
3. Propor para si mesmo uma atitude espiritual (um propósito para o corpo e para a alma), viver bem diante da liturgia, eis a questão.

Exemplo: Missa da Vigília – Oração do dia (Coleta)
Ó Deus, que reacendeis em nós cada ano a jubilosa esperança da salvação, dai-nos contemplar com toda a confiança, quando vier como juiz, o Redentor que recebemos com alegria. Por N. S. J. C, vosso Filho, na unidade do E. S.

1. O mistério presente: a esperança de salvação que se reascende anualmente (sinal de páscoa)
2. O que pede para a Igreja? Contemplar com toda a confiança, quando vier como juiz, o Redentor que recebemos com alegria.
3. Atitude espiritual (um propósito para o corpo e para a alma): apesar de todas as adversidades da vinda histórica de Jesus, a Igreja ainda vive da esperança de que o Senhor vem um dia, como justo juiz. É esta esperança que nos consola, por isso caminhamos confiantes , sem desanimar.

(Os grupos podem buscar pistas nas leituras do dia, por exemplo, para aprofundar os três itens)

Se for grande o número de participantes do retiro, pode ser dividido em grupos menores, por exemplo, e cada grupo ficar com uma oração:
Grupo 1: Missa da Vigília – Oração do dia (Coleta)
Grupo 2: Missa da Noite – Oração do dia
Grupo 3: Missa da Aurora – Oração do Dia
Grupo 4: Missa do Dia – Oração do dia
Grupo 5: Sagrada Família – Oração do Dia
Grupo 6: Santa Mãe de Deus – Oração do Dia
Grupo 7: Epifania do Senhor – Oração do Dia
Grupo 8: Batismo do Senhor – Oração do Dia

Podem ainda ser usados os textos dos Prefácios.

Quem dirige o retiro pode se apoiar nos textos abaixo:
Outras informações acerca da Eucologia do Natal:
- A maior parte das orações natalinas testemunha a liturgia romana dos séculos V e VII, presentes em missais clássicos.
- Nas orações da Missa da Noite e da Missa da Aurora aparecem como realidades simbólicas a noite e a fé. A noite como o símbolo do erro e do pecado é iluminada pela verdadeira luz, Cristo revelador do Pai. Essa noite é também iluminada pela luz da ressurreição. O pedido da Igreja é coerente, conjugando os elementos fé e luz, graça e glória, como que opondo as realidades terrenas e celestes. A fé deve ser iluminada pelas obras do Cristo, que opera com a caridade revelada em sua vida terrena.
- No Prefácio I contemplamos, pelo conhecimento da fé, uma experiência viva de amor, ou melhor, de êxtase, um sair de nós para deixarmo-nos conduzir pelo amor das realidades do céu.
- O texto dos outros prefácios colocam em evidência como o mistério da encarnação reintegra o universo no desígnio do Pai, depois da desintegração acontecida por obra do pecado, e a misteriosa troca que nos redimiu.
- S. Leão Magno, o grande teólogo da celebração natalina, afirma que “o mistério da natividade de Cristo” é uma rica e profunda expressão, através da qual apresenta o valor salvífico do evento. Os diversos fatos narrados pelos evangelhos são a parte visível do mistério do Natal, mas a essência do mistério encontra-se na união da humanidade com a divindade na única pessoa divina do Verbo. A finalidade deste “admirável mistério” é salvar a humanidade; é, portanto, essencialmente um “mistério de salvação”, mediante o qual é dada ao ser humano a graça da reconciliação. O mistério continua operante na Igreja mediante a celebração litúrgica, portanto, para S. Leão Magno, em suas homilias, o natal não é apenas uma simples lembrança, mas tal mistério já é uma realidade tal qual o vemos no presente, isto é, a comunidade experimenta hoje aquilo que se teve nos inícios de Cristo.

Para aprofundar:
O ciclo do Natal nasce no 4º século, muito mais fruto de um combate às heresias que pregavam a negação da encarnação de Cristo do que a motivação pascal.
Os cristãos a copiaram dos romanos, que tinham no deus sol um certo fascínio. Uma das noites de dezembro era a mais longa do ano e os romanos diziam: ‘se continuar essa noite tão longa, assim o sol vai morrer’. Os cristãos viram nessa imagem um ícone eloquente da morte de Jesus. Daí se começa a criar uma festa pra criar o nascimento do ‘Sol da justiça’.  A profecia de Malaquias e o cântico de Zacarias foram os motivadores bíblicos.
Os evangelhos trazem uma preocupação de situar historicamente o nascimento de Jesus, mas o relatam fazendo um paralelo com a ressurreição.
Assim como a Páscoa, o Natal possui uma vigília, um tempo de prolongamento e um tempo de preparação.
Há históricos de batismo nesse tempo.
No Ocidente vingou a festa do Natal, enquanto que no Oriente prevaleceu a Festa da Epifania. Numa mútua troca entre as duas Igrejas, estabeleceram-se três aspectos do natal: o nascimento, a epifania e o batismo.
Com o caminhar da história o ciclo do Natal perde sua força pascal, e resume-se o natal a um sentimentalismo muito mais condensando pela força do comércio.
O nascimento de Jesus é um divisor de águas, um Deus que assume a forma humana. Perguntamos então qual é o desafio que encontramos dentro de uma sociedade que adora o natal, mas deteste o advento? É claro que o comércio está fazendo o papel dele, o pior é quando a Igreja reproduz o papel das lojas. Colocam dentro de seus templos árvore de natal, pisca-pisca, enfeites importados etc. A questão é muito mais séria do que o uso que a sociedade faz de uma festa cristã. O duro é quando a própria Igreja não consegue fazer o contraponto de um tempo tão importante para a pedagogia da fé, e deixa de agir profeticamente também para os seus membros internos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Celebração da Palavra de Deus e sua culminância na missão

COMENTÁRIO SOBRE A MÚSICA “FAZ UM MILAGRE EM MIM”

Os gestos de Jesus na última ceia