Celebrar os santos é olhar para a nossa própria santidade


Por ocasião da festa do padroeiro de minha comunidade paroquial, Santo Antônio, no próximo dia 13 de junho, e para ajudar a comunidade a melhor se preparar para celebrar seu padroeiro, produzi este artigo que se encontra também disponível no site da paróquia: www.paroquiadolimao.com.br.

Aproximamo-nos mais uma vez das comemorações de nosso padroeiro, Santo Antônio. Costumeiramente celebraremos com tríduo, com festa, cantos e orações e, sobretudo, ao redor da mesa eucarística. Este último sinal é o mais importante de todos, pois na lembrança memorial do mistério pascal prestamos a mais autêntica homenagem ao aniversário de Santo Antônio [1] .

Sabemos também que Santo Antônio foi a testemunha do amor ideal, amigo de Deus e amigo dos pobres, além de receber o título de servo da caridade. Todos esses atributos fizeram com que o então jovem Fernando Antônio de Bulhões pudesse ser contemplado pela Igreja na categoria daqueles que sofreram e foram glorificados com Cristo. Por isso, ao celebrar a passagem dos santos deste mundo ao céu, a Igreja proclama o mistério pascal de Cristo cumprido neles [2] .

De fato, a Igreja como comunidade dos que creem, busca sua santidade, a exemplo daqueles que marcaram sua vida devotada pelo mistério pascal. Por isso todas as obras da Igreja se esforçam em conseguir “a santificação dos homens e das mulheres em Cristo e a glorificação de Deus” [3]. A liturgia que celebramos em comunidade tem essa finalidade. Diz o Catecismo da Igreja Católica que é na comunidade de fé que “conseguimos alcançar a santidade pela graça de Deus” [4]. Por isso conjugar santidade e vida de comunidade, isto é, vida eclesial, não é tarefa fácil. É neste patamar que se incluem os santos e as santas. Eles são nosso paradigma de fé e exemplos na nossa caminhada terrena. Os santos e as santas sempre foram fonte e origem de renovação nas circunstâncias mais difíceis da história da Igreja [5]. Como Igreja caminhamos nesta intenção, até o dia em que, diante de Deus, formos santos como os seus santos, diz a Oração Eucarística VII. Com efeito, “a santidade da Igreja é o manancial secreto e a medida infalível de sua tarefa apostólica e de seu ímpeto missionário” [6].

Os exemplos dos santos são bem significativamente lembrados na liturgia. Durante a prece eucarística, a oração da Igreja faz referência a eles lembrando os próprios sinais com que foram marcados e escolhidos. Deus é glorificado na assembleia dos santos, por isso os santos são coroados por seus méritos, eles, por sua vez exaltam os dons celestes [7]. O testemunho admirável dos santos e das santas revigora constantemente a Igreja, provando o amor de Deus para conosco. Deles recebemos o exemplo, que nos estimula na caridade, e a intercessão fraterna, que nos ajuda a trabalhar pela realização do Reino de Deus [8].

A santidade da Virgem Maria também é exaltada no conjunto dos santos, e esta nos serve de inspiração. Maria, a santa por excelência, é lembrada como companheira dos outros santos [9], consolo e esperança para o povo ainda em caminho [10]. Maria é vista também como sendo a imagem da Jerusalém do alto, a cidade do céu, na qual reúne todos os santos e santas em seu seio [11]. Por isso, com a Mãe do Senhor, nosso júbilo é ainda maior, pois é a primeira a ser reconhecida no conjunto das testemunhas do mistério de Cristo.

Já que todos os santos, assim como Maria, participam como testemunhas do mistério de Cristo, nós também buscamos viver essa santidade. Nossa participação plena em cristo e em sua obra se dá pela realização da incorporação batismal no mistério pascal, ou seja, pelo Batismo somos enxertados na participação do mistério pascal, pelo qual procuramos ter como meta uma vida regrada pelas virtudes oriundas deste mesmo mistério, assim viveram os santos e santas [12].

Como os santos e as santas, esperamos também nós participarmos da vida eterna, ocasião em que pertenceremos ao número dos eleitos. Olhando para os santos e para seus exemplos e méritos, sentimos já aqui na terra, o gosto pela vida eterna. As testemunhas que nos precederam no Reino (cf. Hb 12,1), especialmente os que a Igreja reconhece como “santos”, participam da tradição viva da oração, pelo testemunho de suas vidas, pela transmissão de seus escritos e por sua oração hoje. Contemplam Deus, louvam-no e não deixam de cuidar daqueles que permanecem na terra. Ao entrar “na alegria de seu Senhor, foram constituídos sobre o muito” (cf. Mt 25,21). Sua intercessão é seu mais nobre serviço ao plano de Deus. Podemos e devemos rogar-lhes que intercedam por nós e pelo mundo inteiro [13].

No dia da festa de nosso padroeiro, nossa liturgia se devota a ensinar-nos pelo modelo das virtudes de Santo Antônio que Deus sempre nos ajuda em todas as provações [14]. Dessa oração da comunidade de fé fazemos nossa oração pessoal, principalmente ao considerarmos que o Senhor nos ensina continuamente a rezar de modo justo, também pela oração da Igreja.

Em nosso modelo de oração deve haver sempre este entrelaçamento de oração pública e oração pessoal. Assim podemos falar a Deus, assim Deus fala a nós [15]. Certamente foi desta forma que Santo Antônio rezou ao Pai, numa atitude de abertura esperançosa ao projeto que Deus lhe tinha reservado.

É claro que ser santo, ser santa hoje em dia não é querer poder abraçar todas as causas e querer construir o reino de Deus com as nossas próprias forças. Aquilo que fazemos, permeados pelos nossos limites humanos, permanecem sempre no patamar de nossa própria natureza. Entender que o reino de Deus é um dom é entender-se numa abertura à esperança. Por isso não rezamos pedindo ‘alcançar’ o céu ou uma graça. Graça é merecimento do próprio Pai que se doa, em misericórdia, em amorosidade, bondade, mansidão etc. Nós já sabemos que somos portadores daquilo que Deus tem reservado para nós, “os olhos jamais contemplaram, ninguém sabe explicar o que Deus tem preparado àquele que em vida o amar”, diz uma música litúrgica. Nossa tarefa, então, a exemplo dos santos e das santas, é abrir-nos nós mesmos e o mundo ao ingresso de Deus: da verdade, do amor e do bem. É o que fizeram os santos e as santas, que, como ‘colaboradores de Deus’ contribuíram para a salvação do mundo (cf. 1Cor 3,9; 1Tes 3,2) [16]. Os santos puderam percorrer o grande caminho do ser-homem no modo como Cristo o percorreu antes de nós, porque estavam repletos da grande esperança [17].

Por ocasião da festa dos santos e das santas, celebrando a Eucaristia, vivemos sempre uma tensão: a de que essa reunião festiva expresse e consolide ao máximo nossa comunhão com a Igreja do céu. A Eucaristia é verdadeiramente um pedaço de céu que se abre sobre a terra; é um raio de glória da Jerusalém celeste, que atravessa as nuvens da nossa história e vem iluminar o nosso caminho [18].

Portanto, viver a santidade na comunidade de fé e no mundo, requer de nossa parte uma perseverança, que nos obriga a preservar, defender a comunicar a verdade, sem olhar sacrifícios. A Santo Antônio, que dedicou sua vida inteira a essa verdade, cabe a citação do Salmo 36, reservada no Ofício Divino aos doutores da Igreja: “Sua língua é tão sábia, pois proclama de Deus a verdade!”. E o Deus da verdade espera de nós precisamente que sejamos os defensores vigilantes e pregadores devotados dessa mesma verdade [19].
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1. Alfonso Mora. Os santos no ano litúrgico. Manual de Liturgia IV, CELAM, pág. 104
2.  Cf. Sacrosanctum Concilium, 104.
3.  Cf. Sacrosanctum Concilium, 10
4.  Cf. Catecismo da Igreja Católica, 824.
5. Christifideles laici, 16, Exortação apostólica pós-sinodal de João Paulo II, 1988, sobre a vocação e missão na Igreja e no mundo, após 20 anos do Concílio Vaticano II
6. Christifideles laici, 17; Catecismo da Igreja Católica, 828.
7. Prefácio dos Santos I, Missal Romano.
8. Prefácio dos Santos II, Missal Romano.
9. Todas as Orações Eucarísticas têm em sua estrutura as intercessões, que contemplam a Igreja hierárquica, a Virgem Maria e os santos.
10. Cf. Prefácio da Assunção de Nossa Senhora, Missal Cotidiano.
11.  Prefácio de Todos os Santos, Missal Romano.
12.  Cf. Alfonso Mora. Os santos no ano litúrgico. Manual de Liturgia IV, CELAM, pág. 101.
13.   Catecismo da Igreja Católica, 2683.
14. Cf. Oração do Dia (Coleta), da memória de Santo Antônio, Missal Cotidiano.
15. Spe Salvi, 34, Carta Encíclica de Bento XVI, sobre a esperança que salva, 2007.
16. Spe Salvi, 35.
17. Spe Salvi, 39.
18.  Ecclesia de Eucharistia, 19, Encíclica de João Paulo II, sobre a Eucaristia e a vida da Igreja, 2003.
19.  Evangelli Nuntiandi, 78, Paulo VI, sobre a evangelização no mundo contemporâneo, 1975.

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