A mulher Maria e o projeto bíblico de salvação querido por Deus
Eurivaldo Silva Ferreira
Uma lei imposta pelo faraó mandava
matar todos os meninos do sexo masculino que nascessem de mulher hebreia. Duas
parteiras do Egito desobedeceram à ordem do faraó, deixando sobreviver todos os
meninos. Essas temiam a Deus e por isso Deus as recompensou. Uma mulher teve um
filho homem e o manteve escondido por durante três meses, só então resolveu
‘despachá-lo’. Para que sobrevivesse à ordem dada pelo faraó, colocou-o num
cesto em meio ao Rio Nilo. Uma menina acompanhou a trajetória desse cesto, rio
abaixo. A filha do faraó, que tomava banho no rio encontrou o cesto e viu que
nele tinha uma criança. A menina que acompanhou o cesto resolveu oferecer à filha
do faraó uma espécie de ama de leite, a fim de amamentar o menino achado no rio.
A ideia foi aceita e o menino foi devolvido ao palácio real quando ficou
desmamado.
A história acima nos mostra que,
contrariando uma ordem que possibilita a morte, parece que são sempre as
mulheres que tomam a iniciativa de preservar a vida. Isso é verdade, pois na
Bíblia, as personagens femininas lutam pela preservação da vida. Por isso a
vida de Moisés, o menino que foi salvo pelas águas, é preservada, e dá início a
todo um projeto de salvação querido por Deus.
A Bíblia mostra que as mulheres são
aquelas que têm a característica natural da manutenção e da geração da vida.
Nessas narrativas o povo, ao escrevê-las, procura por fatos históricos com os
quais permitiu-lhe compreender a presença de Deus nas suas vidas, libertando-o
de formas de opressão, dominação e escravidão. À medida que o tempo vai passando,
esses fatos bíblicos vão ganhando sempre novo sentido, e são assumidos e
interpretados, adquirindo novo significado de acordo com a história atual,
assim como no passado.
Há outras passagens na Bíblia em que
mulheres são protagonistas na defesa da vida, como a história de Sara de
Abraão, Rute e Noemi, as filhas de Ló, Ester, Judite, dentre outras. Podemos
afirmar junto com a Bíblia e seus personagens femininos que Deus foi
construindo uma pedagogia que revela como transgressora.
De fato, com essas narrativas,
sagas, dramas, histórias e novelas, o escritor bíblico quer pontuar uma linha
de realidade que só se entenderá no futuro, a descendência, em que estão em
jogo personagens denominados de ‘salvadores e redentores’. Esses personagens
não só transgrediram, mas sua desobediência foi fundamental para a preservação
da vida, assim como fizeram as parteiras do Egito.
Lendo o livro “A alma imoral”, seu
autor, o rabino Nilton Bonder afirma que “na tradição bíblica cabe à mulher
decidir os rumos dessa transgressão, que será redentora”. Nesse sentido, Bonder
afirma que “na linha ancestral do Messias Jesus há traidores da moral e dos
costumes, mas que isso foi usado apenas quando a vida estava sob sérias ameaças”,
por isso, o texto bíblico mostra que a transgressão e a desobediência eram
elementos que serviam para garantir a melhor qualidade possível para a
sobrevivência individual e coletiva. Jesus entra nessa dinâmica da contradição
e da transgressão. Para os fariseus, os saduceus e os escribas de sua época,
Jesus era um transgressor da Lei, da moral e dos bons costumes.
A Bíblia mostra também que sempre
que o povo está em crise, Deus vem com uma solução. Foi assim que aconteceu
quando Jesus nasceu. O povo esperava um messias salvador a fim de que o
libertasse do domínio opressor estrangeiro. Foi então que um anjo se dirigiu a
uma mulher daquela época e lhe anunciou a promessa de Deus, já prevista pelos
profetas. Essa mulher era Maria, ela seria a mãe do Salvador, o messias
prometido pelos profetas. Maria aceita a proposta e se coloca como aquela que
crê, assim como Abraão, que confiou na misericórdia de Deus, e saiu sem rumo
certo. Nesse sentido, Maria é situada dentro do plano da salvação, pois está na
base, como continuadora do projeto de Deus. Jamais podemos destacar Maria e
analisá-la sem a ligação profunda que ela tem dentro do plano de salvação com o
seu Filho Jesus Cristo. Agora torna-se a mulher do presente. Todas aquelas
mulheres do Antigo Testamento que preservavam vidas tiveram como paradigma o
Deus Salvador de Maria. Sem isso, desfocamos todo o sentido do projeto do reino
de Deus. Por isso, Maria é descrita no Novo Testamento como aquela que
obedeceu, que guardava todas as coisas no seu coração e meditava os fatos do
cotidiano, que permaneceu firme de pé junto à cruz e que ficou na firme
esperança da ressurreição e da vinda do Espírito, reunida no cenáculo com os
apóstolos. Maria é então a serva fiel, a mulher orante que representa e
prefigura toda a Igreja, a Israel obediente. Em meio a tanta transgressão de
outrora, agora aparece aquela que assume com seu Sim a proposta de vida para um
povo que sofria as duras penas da opressão e da dominação.

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