Pastoral litúrgica - O que é?


Pastoral Litúrgica
Eurivaldo Silva Ferreira (org.)

A Pastoral Litúrgica é uma ação eclesial, ligada ao pastoreio de Jesus Cristo, pastoreio esse continuado pela Igreja, na intenção voltada à implantação do Reino. Jesus disse: “Eu sou o Bom Pastor. Eu dou minha vida por minhas ovelhas” (Jo 10,11-15). Por isso, toda ação da Igreja é a ação de Jesus, o Bom Pastor. Por essa prática, a Igreja se atualiza e reflete sua ação no mundo em dois aspectos: sendo pastora e cuidando do seu rebanho. Se Jesus deu a vida por suas ovelhas, a Igreja quer continuar essa ação, pois ela lhe foi confiada pelo próprio Jesus. Para dar cabo a isso, a Igreja reflete, se organiza, planeja em setores ou pastorais e se alimenta do espírito de comunhão e participação. A pastoral litúrgica articula essas duas dimensões no contexto político e religioso da vida da Igreja, sobretudo, quando está a serviço da função sacerdotal de todo o povo de Deus, permitindo aos cristãos o exercício de seu sacerdócio, como batizados e confirmados que oferecem suas vidas como culto agradável a Deus no Espírito Santo. Essa ação tem como objetivo a participação consciente e ativa, à qual deseja a Sacrosanctum Concilium, nº 11. Portanto, pastoral litúrgica é a arte de conduzir os fiéis a uma vivência mais profunda do mistério da salvação.
Em 2008, a Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, ligada à CNBB, promoveu um Seminário sobre a Pastoral Litúrgica, em São Paulo, de 11 a 15 de fevereiro, com a participação de 65 pessoas, entre bispos, padres, leigos e leigas, músicos e compositores, arquitetos e arquitetas, representando os 17 regionais da CNBB. O seminário discutiu a continuidade das propostas do Concílio Vaticano II e apontou pistas para esta ação, sobretudo, perguntando-se: “Que Pastoral Litúrgica queremos, para que Igreja?”, ainda: “Em que lugar e com que qualidade de serviços (ministérios)?”.
O nº 9 da Sacrosanctum Concílium nos recorda que “a Sagrada Liturgia não esgota toda a ação da Igreja, pois, antes que os homens possam achegar-se da Liturgia, faz-se mister que sejam chamados à fé e à conversão”. Por isso o anúncio da Palavra se faz necessário, tanto para aqueles que ainda não conhecem a Deus como para os que já têm fé. A estes últimos cabe-lhes a tarefa de “ser luz do mundo e os glorificadores do Pai diante dos homens”, através de vários aspectos: pregar a fé e a conversão, dispor-se aos Sacramentos, observar a Palavra, abrir-se à caridade, à piedade a ao apostolado.
Por isso, apontamos como eixos da vivência da pastoral litúrgica, três grandes momentos:

1) a Palavra,
2) os Sacramentos e
3) a Vida no serviço (ética).

Como se dá isso? Trata-se de várias etapas do processo de evangelização, também atribuído a qualquer pastoral. Na vida pessoal ou comunitária deve-se ter em mente que não se pode passar de uma etapa à outra sem antes ter tido uma vivência em cada uma.
Baseado em escritos antigos judaicos, há um autor que diz que o mundo repousa sobre três colunas: a Lei, a liturgia e as obras de caridade. Não se pode passar da Lei para as obras de caridade sem antes vivenciar a oração, na liturgia. Assim, as obras de misericórdia devem ser conduzidas à luz da oração, se não pode-se cair no legalismo, pelo simples fato de se estar exercendo o direito legal (a Torah, no judaísmo e o Magistério da Igreja, para os católicos, por exemplo). Em resumo, significa que não se pode passar da compreensão para a ação sem antes ter vivido a liturgia, exercida num tempo intermediário de oração e contemplação.
Vejamos um exemplo prático: durante o ano litúrgico, especialmente nas celebrações do tempo quaresmal e pascal, a Igreja se preocupa em acolher os que querem se aproximar do sacramento da Penitência, reconhecendo neles os verdadeiros necessitados de conversão. Assim, os pressupostos teológicos da fé podem se unir à dinâmica do crescimento da experiência cristã. Estes não podem estar separados daquele. O segundo não pode suplantar o primeiro. Trata-se de dois aspectos complementares da atividade santificadora da Igreja. Ao caminho e maturidade da fé, corresponde o caminho e maturidade do rito. A fé se exprime no rito e o rito reforça e fortifica a fé. A norma da oração é a norma da fé e vice-versa (lex orandi, lex credendi). Neste sentido, caminha-se para a aplicação de atitudes inclusivas e não separatistas.
Uma outra forma de se viver isso é no dinamismo do ano litúrgico presente na vida da comunidade, permitindo que se viva cada tempo dentro de seu tempo específico e com suas propostas pedagógicas. Desta forma, vai-se percebendo atitudes, caminhos alternativos para o encaminhamento das lições tiradas da liturgia, dos textos, dos ritos, a fim de que se possa levar para a vida da comunidade, sobretudo, no amparo àqueles que mais necessitam, seja dos sacramentos, da cura espiritual, seja das necessidades básicas para o desenvolvimento da vida.
Neste sentido, entendemos que a liturgia celebrada pode dar luzes às questões temporais que o homem pode enfrentar, sobretudo porque, o testemunho da Igreja em anunciar a misericórdia de Deus também pode ser vivenciado nas reuniões celebrativas, onde o povo tenha a livre iniciativa de poder expressar seus sentimentos, seus anseios e seus desejos, suas alegrias e suas tristezas, de tal modo que, possa a celebração litúrgica ser a porta para a entrada na vida comunitária.
É claro que não se pode observar os três processos como sendo cada etapa separada, mas deve-se compreender que cada qual tem suas características próprias, mas ao mesmo tempo cada uma está presente na outra. É agora que entra a atividade da pastoral litúrgica, por isso, podemos afirmar que:
- Liturgia não é catequese, embora a catequese prescinda da liturgia, porém a liturgia é o lugar privilegiado da catequese do povo de Deus (Catecismo da Igreja Católica, nº 1074); liturgia também não é serviço (esse é seu sentido etimológico).
- A sacramentalidade não se reduz à celebração, pois a Igreja anuncia e serve, ela mesma é sacramento em seu ser e em sua ação.
- Diakonia também é anúncio evangelizador. A missão evangelizadora de Cristo e da Igreja realiza-se também mediante o anúncio e o serviço (CIC 893).

Fundamentação:
- Toda ação pastoral ou evangelizadora, para ser verdadeira pastoral, deve ter esses três momentos. Se faltar um deles, a pastoral ou evangelização torna-se débil.
- A união dos três elementos aparece claramente no RICA (Ritual e Iniciação Cristã de Adultos).
- A iniciação na fé e na vida cristã passa pela palavra, pelo sacramento e pela vivência do serviço de Cristo. Se faltar um deles, há um cristão incompleto.
- João Paulo II expressou muito bem na Evangelium Vitae a união dos três campos ao falar do Anúncio da Vida, Celebração da Vida e Serviço da Vida.

Objetivos e exigências para a pastoral litúrgica:
> Verificar as condições para que todas as celebrações litúrgicas “sejam na verdade significativas e comunicativas das realidades divinas que têm o dever de expressar sacramentalmente” (Lumen Gentium 17);
> Cuidar que a comunidade seja realmente o sujeito ativo da celebração e não mero receptor passivo (celebração da comunidade e não para a comunidade), o que significa também inculturação da liturgia;
> Zelar pela qualidade e eficácia das celebrações, não somente no nível objetivo da legitimidade dos ritos, mas no nível subjetivo das pessoas, à sua cultura, história de fé e necessidades;
> Formar para a arte de celebrar: ministros qualificados que presidam a oração, proclamem a palavra, animem, ajudem no altar e sirvam mediante o canto, a música e a dança.

Isto requer:
Formação em teologia litúrgica e em ciências humanas como psicologia, semiologia, linguística, estética, comunicação e artes etc. (Della Torre, in: Dicionário de liturgia fala de uma profissionalidade exigida para um dever de atuar e realizar ritualmente).
Estendendo-se a:
Diversos campos da ação pastoral eclesial, tais como: nos sacramentos da iniciação cristã (batismo, confirmação e eucaristia), nos sacramentos de cura (penitência e reconciliação / unção dos enfermos), nos sacramentos de serviço (matrimônio / ordem), nos diversos ministérios da Igreja, nas práticas sacramentais (exéquias, bênçãos) no Ofício Divino (Liturgia das Horas), na piedade popular, na espiritualidade e na vida de oração, no espaço litúrgico, no ano litúrgico.


1. TRUDEL, Jacques. Pastoral litúrgica, in: Manual de Liturgia IV: a celebração do mistério pascal – outras expressões celebrativas do mistério pascal e a liturgia na vida da Igreja. São Paulo: Paulus. p. 301-302.

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