A ação litúrgica: caminho mistagógico
Eurivaldo Silva Ferreira
Como continuidade de nossa proposta, retomamos nossa conversa neste artigo a partir da vivência pessoal que agora cada um/a faz de si com relação à vivência sacramental. Em nosso último artigo dissemos que a celebração eucarística é um dos condutores ao mistério pascal e, a partir dela, conseguimos forças para desempenhar nossa missão no mundo, a fim de que também o mundo possa viver a fé verdadeira e, conseqüentemente, transformá-lo num outro mundo possível. Assim aconteceu com os primeiros cristãos: “vejam como eles se amam...” diz os Atos dos Apóstolos. Esse amor-testemunho é conseqüência, sobretudo, da reunião fraterna que celebramos no domingo – a Eucaristia – que quer dizer ação de graças. Nela, ao partilharmos o Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia, somos convidados e enviados a vivenciar este gesto também no mundo, na relação com os irmãos e irmãs, até mesmo com os não-cristãos. Nós podemos buscar o fundamento teológico disso nas próprias palavras de Jesus quando afirma não existir outro mandamento mais importante do que amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo (cf. Mc 12,28-31).
Para melhor compreensão disso, penso que a catequese litúrgica é um caminho eficaz para conseguirmos adentrar no mistério e nele encontrarmos nossa medida, nossa condução. Nossa intenção, ao escrevermos esses artigos é mostrar ao leitor que a vivência na comunidade através da ação litúrgica – quer seja pela celebração da Eucaristia, quer seja pela celebração dos demais sacramentos – possa ser um mecanismo de encontro com o mistério pascal, numa atitude de abertura interior e aos outros. É por isso que o documento do Concílio Vaticano II que trata das questões litúrgicas diz que a liturgia é cume e fonte da vida e ação da Igreja. A liturgia não apenas supõe, mas alimenta a fé. A Igreja Universal (Católica) nos ensina que “a regra da oração fundamenta a regra da fé e a reflexão teológica”. Assim, da liturgia, especialmente da eucaristia, como de uma fonte, corre sobre nós a graça, eficazmente, santificando-nos e levando-nos a glorificar a Deus, fim último de todas as obras da Igreja.
É fundamental que, ao falarmos de liturgia, contemplemos também o mistério pascal de Cristo acontecendo na nossa vida, por isso não me abstenho de citar novamente mais um trecho da entrevista que concedeu Bento XVI aos párocos de Roma, ocasião em que afirma que “todos nós devemos aprender melhor a liturgia, não como algo exótico, mas como o coração de nosso ser cristão”. O mistério pascal de Cristo: paixão, morte, ressurreição e ascensão é o coração (lugar da pulsação vital) da nossa fé cristã. Com isso, o papa quer afirmar que a liturgia deve ocupar o centro de nossa fé cristã. Quem pulsa, então? É o próprio mistério pascal perpassando nossas vidas. Certamente, recebendo essa energia oriunda da ação sacramental-litúrgica, na força e no dinamismo do Espírito Santo, capacitando-nos no exercício de nossa missão, no cotidiano.
A partir deste entendimento, Bento XVI quer destacar que urge na Igreja a necessidade de uma catequese litúrgica mais mistagógica. O termo mistagogia significa ‘conduzir para dentro do mistério’. Foi assim que os primeiros Padres da Igreja iniciavam na fé os cristãos. A via da mistagogia é um método eficaz e muito necessário nos nossos dias. Aliás, a CNBB (Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil), em sua próxima assembléia trabalhará a questão mistagógica, através do RICA (Ritual de Iniciação Cristã de Adultos), com toda a sua proposta pedagógica pensada a partir das liturgias celebradas ao longo do ciclo pascal. “Os mistérios não são uma coisa exótica no cosmos das realidades mais práticas”, diz Bento XVI. “O mistério é o coração do qual vem nossa força e ao qual voltamos para encontrar este centro”, declarou. E acrescenta que “a celebração dos mistérios da fé revelam o próprio ser do homem, da mulher. Se é verdade que o ser humano em si não tem sua medida – o que é justo e o que não é – mas encontra sua medida fora dele, em Deus, é importante que este Deus não seja distante, mas reconhecível, concreto, que entre em nossa vida e seja realmente um amigo com o qual podemos falar e que fala conosco”, acrescentou. “Em outras palavras, a catequese eucarística e sacramental deve realmente chegar ao profundo de nossa existência, ser precisamente educação para abrir-me à voz de Deus, a deixar-me abrir para que rompa esse pecado original do egoísmo e seja abertura de minha existência em profundidade, de maneira que eu possa chegar a ser um homem, uma mulher integral, verdadeiro/a e justo/a”, concluiu.
Por isso é compreensível a urgência na ativação da consciência, tendo em vista a melhoria das atividades litúrgicas, do celebrar o mistério pascal com conhecimento de causa, ativa e frutuosamente, diz o documento da Igreja que trata das questões litúrgicas, a Sacrosanctum Concilium nº 11, isto é, com a qualidade que o próprio mistério prescreve. Toda ação litúrgico-sacramental nos permite expressar em linguagem humana a presença escondida do Deus que se fez ‘carne’, humano com os humanos (cf. 1Jo 1, 1-4). Esses gestos são a linguagem da nossa adoração e da nossa comunhão com ele na intimidade do seu amor. O fruto que colhemos na liturgia, a graça de Deus que dela nos vem para o nosso crescimento na fé passa pela expressividade da ação litúrgica.
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