Os discípulos de Emaús - 3º Domingo da Páscoa - Ano A
Um comentário à
luz da mistagogia do texto do Evangelho do 3º Domingo da Páscoa – Ano A
(a partir do exercício
da Lectio Divina na Encontro Nacional da Rede Celebra de animação litúrgica, em
2011, Luziânia – GO)
Eurivaldo Silva
Ferreira
Texto de Lucas
24,13-35. Lucas apresenta o
relato das aparições em três cenas: a revelação pelos anjos às mulheres
(24,1-12); a revelação pessoal a duas testemunhas a caminho de Emaús
(24,13-35); a revelação aos onze e na ascensão (36-49.50-53). Este relato dos
discípulos de Emaús é próprio de Lucas. (ler ou contar o texto). Distingue-se
de outros relatos que contam as
aparições do Ressuscitado e assemelha-se à história de Filipe e do eunuco em
Atos 8,26-40. Nos dois casos, a perplexidade inicial é resolvida pela
instrução, e cada relato termina com a ação sacramental (contexto litúrgico).[1] O texto de Emaús é uma homilia pascal,
no primeiro dia da semana, cujo desfecho é o encontro com Cristo na Ceia (tomou
o pão, deu graças, partiu e repartiu) e a volta a Jerusalém (missão).
Certamente era um casal, Cléofas e Maria de Cléofas. Em que consiste o
discipulado de Jesus nesse contexto?
13Naquele mesmo
dia, o primeiro da semana, (Domingo) dois dos discípulos iam para
um povoado, chamado Emaús, a uns dez quilômetros de Jerusalém.
Caminho é o
catecumenato da primeira comunidade. É o caminho de Jesus. A missa é um momento
da caminhada. É um elemento inscrito no próprio caminho. Pode-se perceber que
as comunidades estavam desanimando, o fogo do Espírito estava se apagando. Era
por volta do ano 80 que esse texto foi escrito. Jesus é o elemento sempre
presente do caminho. O fogo interior tem que ser vencido no caminho, deixar a luz
iluminar as trevas. O texto começa relatando a atitude de voltar pra casa
depois da decepção, esperando talvez a gozação dos conhecidos, amigos e
vizinhos.
14Conversavam
sobre todas as coisas que tinham acontecido (Recordação da vida). O anúncio é um
diálogo entre a Palavra da Escritura e os fatos da vida. Jesus interpreta essa
palavra. A Bíblia como tal não é palavra de Deus. É preciso ser interpretada.
Jesus faz a interpretação dos textos. Ele faz a hermenêutica.
15Enquanto conversavam e discutiam, o próprio
Jesus se aproximou e começou a caminhar
com eles
(A Palavra se
faz presente, ou seja, aquele do qual estavam falando se faz no meio deles;
Jesus respeita a caminhada de cada um, acompanhado seus passos, mas conhecendo
seus limites. Eles são alcançados pelo Cristo. Ora, os fatos da vida, mesmo que
sejam negativos, são alcançados pelo Cristo, têm a possibilidade de se deixar
ser alcançados pelo Cristo, pois não há nada que lhe escape aos seus olhos; a
própria situação predispõe à audição. A angústia deles era a angústia da saudade
e não do vazio).
16Os seus olhos,
porém, estavam como vedados, incapazes
de reconhecê-lo.
(Impotentes, é a
possibilidade daquele que está cru, do não iniciado. Como pensar que dessa
situação pode brotar missionariedade, fidelidade, processo de conversão?).
17Então, Jesus
perguntou: “O que andais conversando pelo caminho?”
(Jesus queria
sentir o que os discípulos vinham falando pelo caminho. Ora, começou pelo
conceito de que aquilo que vinham vivendo. Aí uma dica para os catequistas,
animadores, agentes de pastoral etc. para que não assumam uma posição para que
o povo não tenha o direito de permanecer no seu estado de ignorância. Jesus não
impõe, mas acompanha, entrando na conversa, escutando suas ansiedades, e depois
interferindo tudo isso à luz da Palavra, buscando nas Sagradas Escrituras os
acontecimentos que definem e iluminam aquela realidade, mostrando como é que
Deus agiu naquela situação).
Eles pararam com o rosto triste, 18e um deles,
chamado Cléofas, lhe disse: “És tu o único peregrino em Jerusalém que não sabe
o que lá aconteceu nestes dias?” 19Ele perguntou: “Que foi?”
(o peregrino no
caminho sofre com quem caminha, se aproxima, sente pena deles e se interessa
por seus problemas e suas angústias, é alguém que sabe se aproximar, que
provoca a contar a história deles, a frustração profunda deles).
Eles responderam: “O que aconteceu com Jesus, o Nazareno,
que foi um profeta poderoso em obras e
palavras diante de Deus e diante de todo o povo.
(reconhecem a
profecia de Jesus, que é um profeta poderoso diante do povo e de Deus. Não é
ser profeta por ser profeta, simplesmente, mas anunciar e interpretar os fatos
da vida a partir da vida. A interpretação de um messias triunfalista reinava
naquela época, mas Jesus interpreta esse fato de outra forma, como um messias
que serve o sofredor, e não o poderoso, o guerreiro).
20Os sumos
sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à morte e o
crucificaram. 21Nós esperávamos que fosse ele quem libertaria Israel;
mas, com tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram! 22É
verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos assustaram. Elas foram de
madrugada ao túmulo 23e não encontraram o corpo dele. Então
voltaram, dizendo que tinham visto anjos e que estes afirmaram que ele está
vivo. 24Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas
como as mulheres tinham dito. A ele porém, ninguém viu”. (Relato do acontecimento histórico-bíblico. Os iniciados já conheciam o
fato através do elemento narrativo, conforme Cirilo de Jerusalém, portanto,
sabiam contar direitinho a história. Jesus faz uma relação dialógica).
25Então ele lhes
disse: “Como sois sem inteligência e
lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! 26Não era
necessário que o Cristo sofresse tudo isso para entrar na sua glória?” 27E
começando por Moisés e passando por todos os profetas, explicou-lhes, em todas
as Escrituras, as passagens que se referiam a ele.
(os fatos da
vida são iluminados pela Palavra de Deus. Uma coisa não é só lembrar Moisés,
mas a vida passa pelos fatos das Sagradas Escrituras. Acontece aqui uma
instrução da parte de Jesus. Jesus é nesta hora o próprio mistagogo, ou seja,
aquele que introduz no mistério. Neste caso, a mistagogia se dá através do
próprio mistério, quer dizer, o próprio mistério fazendo-se conduzir para
dentro de si próprio. Jesus indaga sobe a visão e o entendimento da Sagrada
Escritura através de uma inteligência e através de uma rapidez. Jesus estava na
dinâmica do tudo rápido, portanto o entendimento tinha que ser imediato por
parte dos discípulos. Jesus lembra aos discípulos que eles não eram os únicos
que tinham sofrido uma frustração tão grande, lembrando de outros personagens
que também se frustraram, mas Deus não os deixou nas mãos da angústia e da
frustração. Jesus não se promove, ele busca na história das Sagradas Escrituras
não para se autopromover, mas para indicar na SE essa análise em respeito à sua
messianidade. Na pessoa que está sendo iniciada está acontecendo o bem, ela
contribui e colabora para o processo de salvação, na medida que ela for
compreendendo o mistério).
28Quando chegaram
perto do povoado para onde iam, ele fez de conta que ia adiante.
(o mistagogo,
que é o próprio Jesus, faz de conta que vai avançar, mas não avança, ele usa de
um recurso pedagógico para que os iniciados percebam que ele quer ficar, e
aceita esse convite de ficar ali).
29Eles, porém,
insistiam: “Fica conosco, pois é tarde e a noite vem chegando!”
(anoitece. A
noite colabora para a frustração, para a angústia. A natureza colabora, o
cronos colabora para isso, o cronos se vincula à realidade social daqueles
discípulos; o momento da graça se dá através de uma forma cultural, convidar o
outro para ficar).
Ele entrou para ficar com eles. 30Depois que se
sentou à mesa com eles, tomou o pão, pronunciou a bênção, partiu-o e deu a eles
(Partilha, mesa). Precisou novamente
fazer o rito, pois é o rito que condensa a teologia, para se reconhecer mais
ainda quem é Jesus, quem é a eucaristia. O que será que Jesus tinha dito na
bênção desta mesa?
31Neste momento,
seus olhos se abriram, e eles o reconheceram.
(quando os olhos
se abrem se dá o cume do processo mistagógico).
Ele, porém, desapareceu
da vista deles.
(O verbo
desaparecer indica que Jesus pode ter ido pra dentro dos discípulos, pois antes
disso o coração deles ardia, desejando a presença do Senhor. O desaparecimento
é assumido pelos dois discípulos e por nós também, assumindo em nosso próprio
corpo o corpo de Cristo. Cristo passou por isso, nós somos ele agora. O
importante não é tê-lo agora, mas pensar que somos cristianizados).
32Então um disse
ao outro: “Não estava ardendo o nosso
coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?”
(nossas
angústias eclesiais é que nos incomodam hoje. Não encontramos cidadania, pois
não temos lugar nessa estrutura eclesial e clerical).
33Naquela mesma
hora, levantaram-se e voltaram para
Jerusalém, onde encontraram reunidos os Onze e os outros discípulos.
(o ápice e o
foco do catecumenato é a missão, que se dá ad-intra e ad-extra; para Lucas, os
discípulos entenderam esse processo missionário; os catecúmenos se tornaram
mistagogos. Dentro do processo de revelação eles mudam de rota, eles querem de
novo fazer comunidade).
34E estes
confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” 35
Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como o tinham
reconhecido ao partir o pão.
(de fato, não
era uma novidade o aparecimento de Jesus. O caminho não é ilusório, mas é real.
Eles reconhecem Jesus, pois já tinham vivido um pré-catecumenato. A descoberta
da ressurreição é a minha vida. Muitas vezes colocamos a tarefa da fé como
compromisso, mas essa é muito mais uma atitude. O que devemos viver é a
ressurreição, sermos seres ressuscitados, isso é o que importa).
[1] Nas aparições
narradas por João e Lucas, os discípulos não reconhecem o Senhor no primeiro
instante, mas somente após uma palavra ou um sinal, a razão disso é que
permanecendo inteiramente idêntico a si mesmo, o corpo do Ressuscitado
encontra-se num estado novo, que modifica sua forma exterior e o liberta das
condições sensíveis (cf. Jo 20,19) . Sobre o corpo glorioso, leia 1Cor 15,44 .
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