O Sábado da sepultura


            Eurivaldo Silva Ferreira

Origem, sentido teológico e a recomendação da Igreja
            
           Trata-se do 2º dia do Tríduo Pascal. Santo Agostinho, referindo-se a este dia, o chama de Tríduo do Sepultado.
            O relato bíblico diz que um discípulo clandestino de Jesus pediu autorização para sepultar seu corpo num jardim (cf. Jo 19,38-42). Certificar o sepultamento de Jesus era importante para a fé, em função da Ressurreição. A sepultura de Jesus é mencionada no símbolo da nossa profissão de fé: “padeceu e foi sepultado” ou “desceu à mansão dos mortos” (Credo Niceno-constantinopolitano ou Símbolo dos Apóstolos).
            Com base nesta tradição a Igreja construiu o tríduo pascal inserindo nele o Sábado da sepultura, em que “permanece junto ao sepulcro do Senhor, meditando a sua paixão e morte, a sua descida aos infernos, e esperando na oração e no jejum a sua ressurreição” (Carta de Preparação para as Celebrações das Festas Pascais, PCFP nº 73).
            No sábado santo, dia do grande silêncio, nada se celebra, a não ser o Ofício Divino, valorizando nele o silêncio e a sobriedade, retomando textos que contribuem para retomar o ambiente espiritual que deu origem a esta memória. Como o Salmo 63(64), o Salmo 16(15), dentre outros, e a Antiga Homilia do Sábado Santo (Esta homilia é do século IV, mas o seu autor é desconhecido).
            O nº 40 da PCFP orienta: é recomendada a celebração comunitária do oficio da leitura e das laudes matutinas na Sexta-feira da Paixão do Senhor, e também no Sábado Santo. Convém que nele participe o bispo, na medida em que é possível na igreja catedral, com o clero e o povo.
            O Salmo 15(16) que será entoado na vigília da ressurreição desta noite exprime, na oração, o abandono confiante em Deus, em cujas mãos é colocada a vida. A referência a Cristo sepultado e ressuscitado está evidente no versículo: “E minha carne repousa em segurança, porque não me abandonarás no túmulo, nem deixarás o teu fiel ver a sepultura” (cf. Bergamini, Cristo, Festa da Igreja, Paulinas). Este Salmo relata a experiência de alguém que confia plenamente no Senhor, renunciando até a não obedecer a outros deuses; em meio a alegria, sente-se seguro, pois sabe que em Deus tem a garantia segura de que ele nem na morte o abandonará (cf. Secretariano Nacional de Liturgia, Coimbra, Portugal).
            Não havendo sacramentos nem Eucaristia (PCFP, 75), a pedagogia espiritual deste dia sugere a meditação memorial da sepultura do Senhor que é feita através dos sinais sensíveis:
a)      “a celebração do Ofício Divino, recomendado com insistência, ou de uma celebração da palavra ou outro ato de devoção” (PCFP, 73);
b)      “a exposição da imagem de Cristo na cruz ou deposto no sepulcro, ou a imagem da sua descida aos infernos, que ilustra o mistério do Sábado Santo, bem como a imagem da Virgem das Dores” (PCFP, 74).
c)      Recomenda-se ainda que os fiéis sejam instruídos sobre a natureza particular deste dia (PCFP, 76).
            Em Maria, segundo o ensinamento da tradição, reuniu-se todo o corpo da Igreja: ela é a reunião universal dos fiéis. Por isso, a Virgem Maria que se detém junto ao sepulcro do Filho, como a tradição eclesial a representa, é o ícone da Virgem Igreja que vigia junto ao túmulo do seu Esposo, na expectativa de celebrar a sua Ressurreição. A prática de piedade [denominada de] Hora da Mãe se inspira nessa intuição da relação entre Maria e a Igreja: enquanto o corpo do Filho repousa no sepulcro e a sua alma desceu à mansão dos mortos para anunciar aos seus antepassados a iminente libertação da região das sombras, a Virgem, antecipando e personalizando a Igreja, espera cheia de fé a vitória do Filho sobre a morte (Diterório de Piedade Popular e Liturgia, DPPL 147, p. 128).
            O aprofundamento da “Antiga Homilia de Sábado Santo”, do século IV, cuja autoria é desconhecida, pode ser uma ótima recomendação para a aplicação do nº 73 da PCFP (cf. Antologia litúrgica. Textos litúrgicos, patrísticos e canônicos do primeiro milênio. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, p. 576).

Perda do foco pedagógico da fé

            Nem sempre foi sempre possível a Igreja atuar como uma espécie de pedagoga na condução dos cristãos. No processo mistagógico, o entendimento da celebração decorria de um exercício pedagógico da fé por parte daqueles que queriam se tornar membros da Igreja. Isso durou cerca de seis séculos, depois foi esquecido, mas recuperado pelo CV II, embora com poucas notícias de sua aplicação de fato.
            Tendo terminado o processo catecumenal, a educação na fé, por parte de Igreja, foi por vezes dura, impositiva e agressiva. Culturas inteiras se viram desrespeitadas nesse processo. Em nome da fé muito de espantoso se cometeu. A história sabe bem testemunhar isso.
            Em alguns casos a educação na fé vai se entremeando entre passos da educação civil, muitas vezes acontecendo concomitantemente. Em muitas comunidades o itinerário da catequese com crianças acompanha o ano escolar e civil e não o Ano Litúrgico. Assim, em dezembro, as crianças tiram férias, e a catequese se vê privada das celebrações do ciclo do Natal, por exemplo.
             A religiosidade popular, em íntima união com o folclore, descobriu um jeito de fazer um ‘arranjo social’ das narrações bíblicas. Um exemplo clássico é a famosa ‘malhação do Judas’ no Sábado Santo. Aí percebemos a importância do sábado da ressurreição no contexto popular. Essa tradição consiste em considerar o Judas como o traidor, o algoz, que deve ser ‘malhado’. Na força expressiva deste gesto muitas vezes desligado da piedade popular, mas nela tendo origem, reflete-se o reverente amor a Jesus, assumindo pelo próprio gesto o aspecto vingativo da morte de Jesus, não deixando que ela fique por isso mesmo.

            A malhação do Judas é ainda um aspecto a ser estudado sobre o ponto de vista antropológico e religioso, sobretudo em nosso país, quando muito comumente, na tarde do Sábado Santo, veem-se pendurados nos postes grandes personagens do mundo político,  representados pelo simbólico boneco do Judas.

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