Maria, a discípula que acreditou

Eurivaldo Silva Ferreira



           
            Às vésperas da Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, ouso oferecer aos leitores uma breve reflexão sobre Maria e o culto a ela estabelecido no decorrer do Ano Litúrgico.
            Maria é a primeira na fileira das santas testemunhas da ressurreição. Mãe do Verbo, a santa por excelência entre os santos e santas, assim ela é contemplada na estrutura das Orações Eucarísticas. Sendo discípula, é imagem da Igreja e seu modelo, “consolo e esperança para o povo ainda a caminho” (Prefácio da Assunção de Nossa Senhora). Está unida à obra da salvação de seu Filho por um vínculo indissolúvel (SC, 103). Nela a Igreja admira e exalta o mais excelente fruto da Redenção, honrando-a (cf. LG 53) e tomando-a como ícone do seu próprio caminho de seguimento do Verbo. É comparada à Jerusalém do alto, a cidade do céu (Prefácio de Todos os Santos), porque reúne todos os santos e santas em seu seio, e é a primeira entre as testemunhas do mistério de Cristo. Por isso é venerada com amor especial pela Igreja com destaque especial em relação às outras testemunhas da fé (cf. SC, 103).
            A memória de Maria está organicamente inserida na estrutura do Ano Litúrgico, com profundo respeito à hierarquia dos símbolos, na qual Cristo tem a primazia, por ele, o enviado do Pai, conduzido pelo Espírito, o universo é redimido. As antífonas e os textos eucológicos garantem em sua formulação de maneira admirável a compreensão que a Igreja tem a respeito do lugar de Maria na obra da redenção, evitando sempre dar a ela o lugar que é de Deus.
            Frei Joaquim Fonseca, em seu artigo “Educar a uma piedade mariana” (Revista de Liturgia, 227), afirma que “ninguém duvida do profundo afeto dos cristãos católicos por Maria, a mãe do Senhor”. Ocorre que em nossas realidades, principalmente no campo da piedade popular, a devoção exagerada à Mãe do Senhor toma caracteres que a descontextualizam da participação na obra da salvação. Preocupa-nos que as memórias e festas dedicadas à Mãe do Senhor do decorrer do Ano Litúrgico ainda não sejam contempladas com a verdadeira pedagogia que elas carregam, contribuindo para uma verdadeira espiritualidade cristológica, descurada de seu sentido eclesial coadunado com o Magistério da Igreja. É também uma preocupação presente no Diretório de Piedade Popular e Liturgia, que afirma que o Magistério da Igreja orienta para que o culto a Maria deve ter um curso expressivamente marcado pela sua característica trinitária, com um componente cristológico, uma dimensão pneumatológica e com caráter eclesial (DPPL, nº 186).
            Agrava-se ainda o deslocamento da piedade mariana quando Maria é mencionada aleatoriamente fora de contexto, como por exemplo, na celebração eucarística, depois da oração pós-comunhão, antes dos ritos finais, costumeiramente rezando-se uma Ave Maria, sem se dar conta que ela já teve seu lugar garantido na prece eucarística, como parte da assembleia dos redimidos gloriosos em Cristo. Rezar a Ave Maria depois da comunhão é não compreender a ação litúrgica que se celebrou, por sua vez não reconhecendo na assembleia dos fiéis a presença misteriosa daquela que está inserida na comunhão dos santos, como diz o prefácio antes do canto do Santo, Santo, Santo.
            Analisar Maria sem o projeto de salvação é desfocá-la daquilo que é a meta de sua imagem. Ela é a imagem visível da Igreja presente. Assim, pois, é necessário olhar com certo cuidado para algumas devoções que querem descontextualizar Maria do projeto salvador de Deus, fazendo intuições deturpadas de sua figura, sem contar aqueles grupos que dão um realce de supervalorização, apontando o que Maria não é. Outros a colocam na periferia da vida religiosa, e outros ainda a tomam como embate para o não fortalecimento do diálogo ecumênico sadio. É preciso então que nos desarmemos para entender a reflexão feita sobre Maria, a fim de que esta seja saudável. A piedade mariana só é existencial e pastoralmente válida se estiver orientada para Cristo.

            Precisamos pensar e nos perguntar onde é realmente que está a verdadeira intuição da Igreja ao nos apresentar Maria. Assim a colocaremos no seu devido lugar, é claro sem jamais isolá-la. Se conseguirmos fazer isso, entenderemos cada vez mais sobre sua pessoa e a amaremos cada vez mais, sem cair numa “mariolatria”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Celebração da Palavra de Deus e sua culminância na missão

COMENTÁRIO SOBRE A MÚSICA “FAZ UM MILAGRE EM MIM”

Os gestos de Jesus na última ceia