A manifestação da bondade e da misericórdia de Deus em Jesus Cristo,

Eurivaldo Silva Ferreira

Para ler o artigo é necessário ter o texto de Lc 1,68-79, que pode ser extraído da Bíblia de Jerusalém
Introdução
O cântico de Zacarias assemelha-se ao de Maria, quando celebra o caráter inédito e decisivo da intervenção de Deus na aurora dos novos tempos, Jesus, a luz que nos visitou (vv. 78-79). Tanto um como outro, porém, colocam esta intervenção no encalço da memória de Israel e da continuidade do desígnio de Deus.
Tem-se indícios que este canto seja uma composição do próprio evangelista Lucas, influenciado pelas composições judaicas de seu tempo (elemento de enculturação). Faz parte da família dos salmos messiânicos, linguagem em que judeus compartilhavam com seus antepassados.

Historiografia: um grupo em Israel era odiado pelos inimigos, andava nas trevas, e a salvação de Deus era sinal da misericórdia deste por causa da aliança com seu povo, já que este grupo era tido como que o “resto” de Israel e guardava a santidade e a justiça esperadas do povo da aliança.
Lucas, movido pela intenção do Espírito Santo (também presente em Atos), faz uma ligação desta tradição, através das imagens descritas no hino com a comunidade de Atos, cheia do Espírito Santo que fazia profecias (At 2,18).

Considerações lucanas a respeito do cântico
O início do louvor a Deus, a partir da cura do estado de mudez de Zacarias, dizendo: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel”, como que uma espécie de bênção, que também fora pronunciada por Izabel, no encontro com Maria, e por Maria, no cântico do Magnificat. Embora essas comparações devem ser deixadas de lado devido ao jeito de Lucas compor suas narrativas. Único indício disso no cântico de Zacarias é a própria referência lucana ao “Altíssimo” no diálogo do anjo com Maria (cf. Lc 1,32a).
Referência de Lucas: está relacionada a João Batista, considerado como aquele que “irá à frente do Senhor (Deus), para preparar-lhe os caminhos” (v. 76b). Esta promessa, também referenciada em Lc 1,16-17, atesta que a intenção de Lucas é voltada a uma preocupação de apresentar a realização das promessas de Deus, sobretudo num ambiente geográfico específico, ou seja, Deus encarnado na história, conforme os desígnios do Espírito. É própria de Lucas a intenção de apresentar ou relatar um plano histórico-salvífico-universal, do qual os próprios discípulos e a comunidade cristã foram testemunhas (Lc 24,48).

Estrutura do cântico
Os cânticos de Lucas têm a estrutura de um louvor, semelhante à estrutura apresentada nos salmos, formados por três partes específicas:
a) Uma introdução de louvor a Deus (v. 68a).
b) O corpo do hino que relaciona os motivos de louvor, que começa a oração do “porque” (v. 68b).
c) A conclusão, que recapitula alguns dos motivos do hino (vv. 78a-79b).
Há quem diga que este cântico é um hino dedicado ao aniversário de João Batista, com a possibilidade de ter inserções de seguidores de João Batista (hipótese descartada por alguns estudiosos). O certo é que a semelhança com a estrutura sapiencial é referenciada com a frase de conclusão “todos os dias de nossa vida”, frequentemente encontrada nos Salmos (como é o caso de Sl 16,11; 18,51; 23,6; 28,9; 30,13).

Análise textual
Somente com análise de aproximação de ideias. Esta trata das referências verbais encontradas nos textos, como que justificativas gramaticais. Para melhor compreensão, separamos o cântico em duas estrofes, em seguida destacamos alguns verbos, e depois deles faremos nossos comentários:


 
Verbos de destaque: a) “visitou”, b) “libertou”, c) “fez surgir”, (também traduzido como “ergueu”).
 
 
Conclusão estrutural lucana

O hino é cristológico: Cristo, o Messias, é a principal razão da bendição. Mostra clara a realização da expectativa veterotestamentária: o cumprimento de uma promessa a Davi e sua casa, que foi transmitida pelos profetas, e de um juramento a Abraão e seus descendentes, que fazia parte da aliança.

Aliança, dois aspectos: Deus que propõe (primeira estrofe, com a promessa e sua realização) e, o povo que responde (segunda estrofe, com a parceria, baseada na santidade e na justiça que devem marcar sua vida). Este povo, que mantém a aliança, serve a Deus todos os dias de sua vida, quer no templo, na ação litúrgica, quer na vida pessoal-social, em prol da coletividade (cf. 74b).
Elogio conclusivo: nos vv 78-79, a Jesus, no qual se realiza o tema da “visita” de Deus, que iniciou a primeira estrofe, e à “misericórdia” de Deus, que iniciou a segunda estrofe.

João Batista, quase no fim do hino: João vem antes de Jesus, é o profeta que prepara a luz (3ª estrofe). Ideia de preservar o propósito original do cântico, que dava prioridade ao Messias; por isso, o cântico precisa ser concluído com “o profeta do Altíssimo” que caminhará à frente do Senhor para preparar seus caminhos, mas com a “luz nascente do alto” que aparece aos que estão nas trevas. Imagens queridas dos autores de Isaías, da quais Lucas se apropria. Lucas busca em Is 40,3 e Mc 1,1-8 (“voz que clama no deserto” e “eis que eu envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho diante de ti”). O profeta é designação singular da parte de Jesus referenciando-se a João em Lc 7,26 – “Um profeta? Sim, eu vos digo, mais que um profeta” – juntamente com a indicação em Lc 16,16 de que João Batista é o último dos profetas. É João Batista que fez com que o povo entendesse a visita de Deus através de uma conversão, que tinha como consequência o arrependimento e o perdão dos pecados.
Conclusão
Podemos concluir que este cântico é um conjunto de ideias veterotestamentárias e intertestamentárias, em que o autor celebra a redenção que Deus realiza através de Jesus, o Messias davídico. A intenção é a de recordar o louvor a Deus pela salvação oferecida por ele e a lembrança de sua paz, destinada a quem o respeita, seguindo sua aliança, pois é na aliança que a bondade e a misericórdia de Deus se manifestam.
 
Bibliografia:
BÍBLIA. Português. BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução de La Bible de Jerusalém. São Paulo: Paulus. 2006.
BROWN, Raymond. O Nascimento do Messias. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 450-465.
GOURGUES, M. Os hinos do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1995, p. 27.
 
 
 
 
 

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