Seminário Nacional de Liturgia discute a Sacrosanctum Concilium, em seus 50 anos

por Eurivaldo Silva Ferreira

            Teve início na tarde do dia 31 de janeiro o Seminário Nacional de Liturgia sobre a Sacrosanctum Concilium (SC), primeiro documento aprovado pelo Concílio Vaticano II (1963-1965). Sob a organização da Comissão Episcopal para a Liturgia da CNBB e da ASLI (Associação dos Liturgistas do Brasil), o Seminário discutirá importantes questões a partir de uma releitura da SC no contexto do Concílio Vaticano II e nos documentos eclesiais latino-americanos.
            No mosteiro de Itaici, localizado na Vila Kostka, em Indaiatuba, ao todo 157 pessoas, entre leigos e leigas, padres e bispos, se inscreveram para participar deste importante evento para a Igreja do Brasil.
            Logo na abertura do Seminário, Dom Armando Bucciol, presidente da Comissão Episcopal para a Liturgia da CNBB e bispo da diocese de Livramento de Nossa Senhora-BA, disse que a história bimilenar da Igreja no mundo não foi abandonada no Concílio Vaticano II, pelo contrário, ele a levou em consideração, pois o próprio Concílio se colocava como um  instrumento de abertura da Igreja ao mundo. Em seguida, Monsenhor Guedes, presidente atual da ASLI, disse sobre as expectativas e as alegrias que circundam esse momento tão histórico para a vida da Igreja no Brasil, com a comemoração dos 50 anos da promulgação da SC. Sua fala repercute também não em meio a alegrias, avanços e forte luz, mas num ambiente e num tempo de motivos de preocupações e sentimentos de friezas e com forças contrárias ao espírito daquilo que a reforma conciliar trouxe com a promulgação da SC, pois ela é sem dúvida o “carro-chefe” do Concílio Vaticano II.
            Monsenhor Guedes detalhou ainda as três fases de preparação para o que chamou de caminho para a reflexão sobre a SC, em 2011, 2012 e 2013. Em 2011, o grupo de associados a ASLI reuniu-se em Crato, CE, e juntos estudaram as raízes históricas e teológicas da SC, sob a orientação de Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração, em Mogi das Cruzes-SP, e do Prof. Dr. Frei José Ariovaldo, liturgista e historiador.  Nesta ocasião, o então assessor da dimensão litúrgica da CNBB, Pe. Hernaldo Farias, fez o convite a ASLI para que continuassem a reflexão, sugerindo que se promovesse em parceria com a CNBB um seminário, cujo título nomeia esse artigo e sua realização torna-se concreta durante esses dias.
            Para 2013, o que se prevê em nível de continuidade da reflexão são os desafios e as perspectivas na realidade atual da caminhada da Igreja no Brasil.
            Em seguida, os participantes assistiram a dois vídeos; o primeiro da promulgação da SC  no início dos trabalhos do Concílio Vaticano II, e o segundo é o que Dom Clemente Isnard, assessor da Comissão Episcopal para a Liturgia no Brasil durante 25 anos e bispo participante do Concílio, fala sobre a importância desse documento, cujo destaque maior é o da participação ativa de todo o povo de Deus.
            Pe. Oscar Beozzo, assessor das pastorais sociais, professor e historiador, foi o primeiro conferencista deste dia. Sua explanação girou em torno do contexto sócio-político-eclesial e litúrgico às vésperas do Concílio Vaticano II. Prof. Beozzo destacou o contexto mundial tanto político quanto religioso, em que se encontrava aquele grupo de bispos, religiosos, observadores, dentre outros, na ocasião da convocação do Concílio Vaticano II, feita pelo papa João XXIII. Tratava-se de um cenário muito delicado, em que jogos políticos e de comando entre as nações estavam num mesmo patamar de discussão. É neste entremeio que João XXIII, um papa considerado fora dos padrões para a época, anunciava não além desse horizonte, para a Igreja de Roma, em 25 de janeiro de 1963, com voz trêmula, mas com decisão, um sínodo, e para a Igreja universal um concílio. Isso caiu como que uma bomba em todo o mundo religioso. Um silêncio total entre os cardeais ali presentes, pois ninguém esperava isso. Entre os atores desse evento conciliar é muito importante o papel da impressa e a opinião pública.
            Ao mesmo tempo a Igreja não sabia o que fazer acerca dessa batalha de João XXIII, justamente porque ele esperava que fizesse parte do Concílio grandes temas de discussões que giravam em torno de questões atuais, tais como a emergência de novos atores no cenário da Igreja mundial, as mulheres, o diálogo político e religioso e os operários, mas principalmente uma Igreja que se voltasse para os pobres, sobretudo frente aos pobres do chamado Terceiro Mundo, como confirmou em seu discurso de abertura do Concílio em 1962.
            Na prática, depois da convocação do Concílio, muita coisa mudou na Igreja, e continuará mudando, afirmou Pe. Beozzo. Dentre os sinais destacados por Beozzo, há aqueles que não fizeram parte de nenhum documento, como a presença da Bíblia aberta como sinal sensível da presença da Palavra de Deus nas diversas sessões do concílio. Logo na cerimônia de abertura do concílio um gesto que se tornou rotina em todas as congregações gerais, mas simbolicamente muito importante. Beozzo destacou que esta foi uma marca muito fundamental no concílio. A cada manhã, de maneira muito solene, foi introduzida na basílica conciliar o Evangeliário, para dizer que quem conduzia o concílio era a Palavra de Deus. Era algo fundamental, um gesto que tinha ser recordado o tempo todo.
         O segundo conferencista do dia, Pe. Prof. Dr. José Ariovaldo da Silva, levantou algumas preocupações que norteiam sua pesquisa historiográfica e teológica acerca do avanço dos estudos litúrgicos no Brasil. Ele abordou suas preocupações a partir do que chamou de “mal-estar”, percepção sentida a partir e ao longo do Movimento Litúrgico, cuja origem remonta ao final do século 19, na Bélgica, no período iluminista, ao qual se expande com Pio X e teve sua culminância e desenvolvimento maior na promulgação da SC.
            Frei Ariovaldo destacou pontos importantes do nominado mal-estar, dividindo a história da Liturgia em duas partes: primeiro e segundo milênios. Sua preocupação gira em torno de que as multidões levaram séculos para se esquecerem do verdadeiro espírito da liturgia, mas levarão ainda bastante tempo para voltas às fontes, conforme queria o Concílio Vaticano II. Afinal, então o que se busca resgatar no Movimento Litúrgico e no Concílio Vaticano II? O que eram as tais fontes litúrgicas? Buscava-se resgatar a dignidade da liturgia, experimentada como presença libertadora do Mistério Pascal na ação ritual, sufocada que fora sobre a fria doutrina sobre Deus e seus mistérios, durante muitos séculos, assim apreendida por todos os fiéis, em toda a parte do mundo. A experiência orante por excelência de toda a fonte do povo cristão, logo nos primeiros séculos. Esta foi sufocada por manifestações piedosas extra-litúrgicas e manifestações pessoais religiosas. Recuperar a admiração pelo Mistério Pascal, eis a questão e a motivação do Movimento Litúrgico e da S C. Frei Ariovaldo ainda destaca que são cerca de 100 anos de Movimento Litúrgico e 50 anos de SC. Uma bibliografia imensa, com pesquisas continuadas, tudo isso versus 1000 anos de contradições litúrgicas. Daí se compreende a constante defasagem que se entende o que um grupo bem pequeno de cristãos vem assimilando o que está no documento conciliar da Igreja, em contrapartida àquilo que ele nomina de “um inconsciente católico agarrado, baseado em princípios de compreensão da liturgia que durante cerca de mais de mil anos, direta ou indiretamente, não deixaram de ser nocivos à Igreja e ao nosso planeta como um todo, até mesmo dentre aqueles e aquelas que se dizem católicos”. Foi precisamente no segundo milênio quando a liturgia se transformou num total fator clerical e a grande massa teve que sobreviver com o mais variado tipo de devoções, ocasiões em que a humanidade viu grandes fatricidades, grandes desmontes sociais, guerras, holocaustos, perseguições etc, afirma Frei Ariovaldo. Os cristãos do segundo milênio não conseguiram enxergar mais nem a sua insanidade torturante. Ficaram cegos. Neste sentido, a liturgia, vista como obra salvadora da humanidade, nada passou a representar neste cenário.
            A preocupação de Frei Ariovaldo é que padrões limitados desse inconsciente católico ainda predominam no terceiro milênio, aos quais nos acarretam uma inércia e um avanço em importantes trabalhos para o discipulado. Realinhar-se com o verdadeiro espírito da sagrada liturgia, eis o grande desafio que temos pela frente. Para que todos tenham vida e quem sabe, salvemos nosso planeta, conclui Frei Ariovaldo.
            Tivemos assim encerradas as atividades deste primeiro dia, sendo coroado com a Eucaristia, cuja memória de Dom Bosco celebramos neste dia.

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