Sinais litúrgicos do Tempo da Quaresma

Eurivaldo Silva Ferreira
       Na Igreja, que é povo de Deus, com sua organização ministerial, relembramos a cada ano os mistérios da nossa redenção. Através da Encarnação do Filho e da sua Ressurreição nós entramos em contato com a graça. Estes mistérios são visivelmente percebidos a cada domingo, através da reunião da comunidade, da diversidade dos ministérios nas celebrações, da escuta da Palavra e da partilha do Pão eucarístico na mesa comum. De uma maneira mais especial nós o fazemos uma vez por ano, especialmente no Tríduo Pascal, relembrando a passagem de Jesus, com sua paixão, morte e ressurreição. É na Vigília do Sábado da Ressurreição que somos incorporados, por meio de sinais sensíveis, à ressurreição de Cristo. “Se morremos com ele, com ele ressuscitamos”, diz uma das leituras desta noite. Os participantes dessa ação litúrgica entram em contato com a grande riqueza contida no Ano Litúrgico, por isso o mistério de Cristo anunciado e vivido ao longo de um ano possibilita a quem crê participar dessa mesma graça pela qual Jesus participou, passando pela morte, mas ressurgindo, pois Deus não o deixou abandonado na região dos mortos, dizem os Salmos 16, 30 e outros.
       Em preparação a essa festa anual, a Páscoa, a Igreja pensou num tempo específico, cujo período caracterizasse uma conscientização de corpo e espírito para a participação nessa graça. Em torno do tríduo pascal então foi-se formando o tempo Quaresmal, cerca de 40 dias que têm por finalidade introduzir na comunidade de fé aqueles que passaram por um processo de formação catecumenal, além de recordar àqueles que já foram batizados que devem viver aquela graça inicial, recebida por ocasião de seu batismo.
       Fazemos isso com ritos e com símbolos, pois repetindo os ritos, aprofundamos seu sentido, ou seja, aquilo que eles mesmos expressam, a nossa fé. Desta forma, a liturgia cristã, na qual fazemos memória pascal, passa por esse prisma, ela representa esses fatos, de uma forma ritual, mas que, revivendo-os, fazendo memória, nós o tornamos vivos, perpétuos.
         Já se tem notícias em meados do século II de um período de intensa preparação para a páscoa. Admoestações e testemunhos diretos dos Santos Padres afirmaram o caráter penitencial para aqueles que iam passar pelas águas do batismo. Com o passar dos tempos, outras exigências foram se ajuntando a essa, como o jejum e a conversão, por exemplo, como sinal da preparação para a páscoa para os já batizados. Esses sinais sacramentais (jejum, conversão e penitência), têm sua origem na Palavra de Deus, pela qual nos colocamos em regime de prontidão e de escuta. Só a escuta atenciosa e amorosa à Palavra de Deus é que nos pode indicar o verdadeiro sentido espiritual desse tempo.
        A Carta Preparatória para as Festas Pascais, da Congregação para o Culto Divino, de janeiro de 1988 traz várias orientações práticas, celebrativas e espirituais com relação ao tempo da Quaresma. Diz que esse tempo explicita melhor o sentido da virtude e a prática da penitência, como “partes necessárias da preparação pascal: da conversão do coração deve brotar a prática externa da penitência, quer para os cristãos individualmente, quer para a comunidade inteira; prática penitencial que, embora adaptada às circunstâncias e condições próprias do nosso tempo, deve, porém, estar sempre impregnada do espírito evangélico de penitência e orientada para o bem dos irmãos e irmãs” (nº 14). Quanto às flores, a Carta recomenda esvaziar o espaço litúrgico, não colocando flores, elas são sinais daquela alegria pascal, assim, o sinal visível do adorno pascal seja reservado para o tempo pascal, com a Vigília do Sábado Santo (nº 17). O canto do Aleluia também é omitido, pois o Halelú-Yah, o louvor ao Deus Javé, deve ser entoado pela assembleia dos ressuscitados na grande vigília, como expressão máxima daqueles que passaram da morte para a vida (nº 18). Quanto aos cantos, diz a Carta que estes sejam escolhidos, tendo como critério a correspondência de seus textos com aqueles que estão nos textos litúrgicos (nº 19). Até os instrumentos musicais a Carta considera como um sinal sensível da assembleia pascal, por isso o som dos instrumentos musicais durante o tempo da Quaresma é reservado apenas para sustentação da afinação do canto da assembleia, por aí entendemos o motivo de reduzirmos o volume e a quantidade de instrumentos musicais, assim favorecendo o silêncio nas nossas assembleias litúrgicas (nº 17). Os ministros músicos, tendo em vista sua sensibilidade e dedicação litúrgica, devem particularmente prestar atenção a essa orientação. Os ministros que ornamentam o espaço litúrgico devem também imbuir-se dessa índole quaresmal. De fato, a Igreja nos educa na fé, nesse grande itinerário pedagógico que é o ano litúrgico, por isso o vazio, a ausência desses sinais que são sensíveis ao nosso sentido, e ao mesmo tempo, visíveis, fazem com que todo nosso corpo participe e se aproprie das características específicas do tempo da Quaresma.
            Dentre as várias manifestações de piedade popular, a Carta indica a Via-sacra, tão comumente difundida em nosso país. Mas, mais ainda podemos nos apropriar do espírito penitencial desse período, lendo as leituras litúrgicas indicadas para os domingos e os dias da semana, entre as famílias ou em particular (nº 13). As cinzas, recebidas na Quarta-feira de cinzas marcam a nossa destinação corporal para entrarmos na dimensão salvífica da páscoa. Elas são um sinal exterior de nossa penitência, também significando nossa vontade de nos voltarmos ao Senhor, alimentando a esperança de que Deus é sempre misericordioso para conosco (nº 21).
            Que esse tempo quaresmal, mediante uma atividade pastoral mais intensa e maior empenho espiritual da parte de cada um, com a graça do Senhor, seja um itinerário espiritual a fim de que possamos todos participar das festas pascais e testemunhar na vida o mistério da Páscoa celebrado na fé (nº 108).

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