Quaresma: origem e sentido do tempo de preparação à Páscoa

Eurivaldo Silva Ferreira
A celebração da Missa teve sua origem no Domingo. O Domingo era tão importante para as primeiras comunidades que faziam da reunião semanal o dia essencial para a celebração do mistério pascal, ou seja, fazer memória da Páscoa de Cristo. Os judeus que iam se ajuntando ao grupo dos cristãos também influenciaram essas comunidades em suas celebrações. A sensibilidade dessas comunidades voltadas ao sentido da celebração da páscoa judaica fez com que os primeiros cristãos organizassem uma festa anual da páscoa, esta girando em torno da passagem de Cristo da morte para a ressurreição. Ao redor dessa festa anual todas as outras celebrações vão se avizinhando e se formando, dando origem ao Tríduo Pascal, tal qual conhecemos hoje: Sexta-feira da Cruz, Sábado da Sepultura e Domingo da Ressurreição, assim o chamou Santo Agostinho.
Tal era o acento que as comunidades davam à ressurreição do Senhor, que o sábado à noite passou a ser importantíssimo, pois, segundo o costume judaico, a partir das seis horas já é o dia seguinte. Por isso, tendo em vista a reunião festiva no domingo da ressurreição, a alegria pascal passou a ser marcada pela grande vigília do domingo, na noite de sábado, hora e dia em que se faziam memória daquele que passou das trevas à grande luz. O sábado passou então a ser marcado pela celebração da Vigília Pascal, onde são lidos textos e orações que resgatam o sentido da páscoa do Antigo Testamento. Essa alegria foi prolongada por mais cinquenta dias depois da festa da Páscoa, à qual chamamos hoje de Tempo Pascal, culminando com a grande Festa de Pentecostes.
Historicamente temos aí os elementos fortes para considerar o alargamento da Páscoa, uma espécie de “depois”. Mas, e o “antes”, como se deu? Como então surgiu o tempo da Quaresma na Igreja?
Em meados do século III já se houve falar que aconteciam batizados na noite da Vigília Pascal. Também, antes da sexta-feira da Paixão, Tertuliano, na Igreja Oriental, fazia uma preparação para aqueles que iam passar pelas águas do batismo, chamada de missa de “reconciliação dos penitentes”. Esse fato, eminentemente batismal, deu origem ao tempo da Quaresma, justamente porque esse tempo tenha se desenvolvido num período marcado pela dedicação à última preparação dos que iam ser batizados, chamados de catecúmenos.
A Carta Preparatória para as Festas Pascais, de 1988, designa o tempo da Quaresma como um tempo com uma dupla característica: a reunião entre aqueles que serão batizados e os fiéis. Diz também que esse tempo penitencial contém a graça, oriunda de Deus. Vive-se a graça pelas vias apresentadas pela Igreja: os catecúmenos com a preparação para a admissão dos sacramentos da iniciação cristã, e os fieis, por meio da escuta mais frequente da Palavra de Deus e de uma oração mais intensa, adornada pelas atitudes penitenciais, renovam as promessas do batismo.  
Eis então os grandes motivos, cujo tempo Quaresmal, nos oferece a Igreja, a fim de que a preparação para a Páscoa do Senhor possa revitalizar a fé daqueles que são cristãos não praticantes ou que porventura se esqueceram de sua fé. Por isso, catecúmenos e fiéis são reunidos numa mesma celebração, e são interpelados pela mesma Palavra de Deus que ressoa em seus corações. Essas celebrações do tempo da Quaresma são marcadas por uma pedagogia catecumenal. Sobre essa pedagogia a Igreja deve traçar seus itinerários de fé, que são marcados por três grandes etapas ou momentos: o momento da fé-conversão, com a opção fundamental por Cristo, pelo contato com a Palavra de Deus; o momento litúrgico-sacramental, que insere no mistério de Cristo e da Igreja o catecúmeno que ainda não foi batizado e trabalhoso batismo do sacramento da penitência, naqueles que já são batizados e crismados; o momento duma mais profunda e plena participação na vida e missão da Igreja, que também chamamos de tempo da mistagogia.
Na Quaresma, fazendo memória do nosso próprio batismo, nós recordamos aquela graça, pela qual fomos inseridos um dia, mergulhando na água do Espírito, renascendo para uma vida nova. De fato, o tempo quaresmal, por sua força sacramental, nos coloca em prontidão para a escuta da Palavra e a oração, elementos essenciais que devem ser vividos também ao longo de todo ano litúrgico, mas que a Igreja chama para uma atenção particular e mais atenta neste tempo. Então, a ação memorial do batismo, para os que já foram iniciados na fé, nós a realizamos escutando a Palavra, orando em comunidade e celebrando na mesa comum a memória pascal do próprio Cristo.
Ao longo dos cinco domingos quaresmais de 2012, ao ouvirmos as leituras do Ano B, que propõem uma série de textos centrados no mistério da cruz gloriosa de Cristo segundo o evangelista João, os nossos corações se abram à escuta da Palavra de Deus, a fim de que, neste tempo que ele nos oferece, realize-se em nós a verdadeira conversão, o desejo de correspondermos ao seu amor vivendo uma vida santa (cf. Oração Coleta do 1º Domingo da Quaresma).
Assim, como diz a regra de São Bento, com a alegria do Espírito Santo e cheios do desejo espiritual, esperemos a santa Páscoa.

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