Ministérios litúrgicos musicais e o Espírito Santo

Eurivaldo Silva Ferreira
           
            Nosso ministério pastoral passa pelas relações de ternura, amizade, carinho e pelo contato físico, olho no olho, além de todos os sentidos. Uma jovem de minha comunidade paroquial disse que temos que deixar fluir nosso ministério na força do Espírito. É assim que o Espírito age na Igreja, pela força ministerial de quem se coloca a serviço da Liturgia. O Espírito toca em nosso ser através de nossa corporeidade, isto é, o Espírito só age se tivermos corpos físicos. Na profecia Ezequiel, o Espírito que agia naqueles corpos substituiria o coração de pedra por um coração de carne (Sétima Leitura da Vigília Pascal – Ez 36,16-17a.18-28). Esse relato continua como leitura da Vigília de Pentecostes, na passagem em que os ossos secos são vivificados pelo Espírito (Joel 37,1-14). Também o profeta Joel, na Liturgia da Vigília de Pentecostes fala do derramamento do Espírito (Joel, 3,1-5). Outra passagem é a bonita imagem das línguas de fogo pousando na cabeça de cada participante daquele cenáculo no relato dos Atos dos Apóstolos. Mas, o fruto desse toque do Espírito foi a linguagem, em que cada um, apesar de falar sua própria língua, pôde compreender o outro, e juntos pensarem na continuidade da missão.
            Nossos dons musicais são frutos dessa linguagem, e os colocamos a serviço da comunidade. Que bom que isso é obra do Espírito. De tal forma que podemos dizer que o Espírito age em nosso corpo e em nossos sentidos, dotando-nos de sabedoria, por completos, interna e externamente. Mas ele age também em nossa maneira de compreendermos os aspectos de nosso ser Igreja, que tem uma estrutura de oração universal, que é a Liturgia, feita de ritos e preces. Mas, o que o Espírito tem a ver com Liturgia?
            Na Liturgia, tudo fazemos por obra do Espírito. É por ele que invocamos a transformação do pão e do vinho em corpo e sangue de Jesus. É por ele que a assembleia se reúne. É ele que age na pessoa de quem preside a celebração, de quem lê, de quem canta, de quem exerce um ministério... É ele que também age quando nós escutamos a Palavra. Age no silêncio do nosso coração, acolhendo as palavras que agora são uma só Palavra, Jesus Cristo. Na Liturgia, somos chamados a exercer nosso ministério, como povo celebrante e sacerdotal que somos. Evidenciando o mistério pascal que quer se aproximar de nós, como amigos, conosco se entreter, por isso nosso zelo em celebrar bem a Liturgia. Nela, através dos ritos e das preces, somos motivados, ativa, consciente, plena e piedosamente a participarmos, não como seres estranhos, mas como atuantes, instruídos pela Palavra e alimentados pela Eucaristia. Ou seja, nós pedimos que Deus venha até nós e nos faça elevar-nos até ele. A Liturgia é então um ato de nos divinizar, de nos encher de graça. É isso que a pessoa que preside diz em todo início de celebração: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com vocês!”. Ouvindo essas palavras supomos que já temos a graça no nosso cotidiano e que também a levamos para a Liturgia. Essas palavras soam em nossa assembleia como memória, recordação da graça. Embora essa graça que é perfeita, nós por muitas vezes, esquecemos que ela age em nós, eficazmente. A Verbum Domini diz que o sinal de não acolhimento da graça é a não escuta à Palavra de Deus. O pecado então é o fechamento da audição à Palavra, o que tem como consequências várias outras impossibilidades. Por isso sempre voltamos à Liturgia, para fazer memória da graça, nos predispondo a ouvir a Palavra e nela fazermos nossa adesão.
            Eis um sinal eloquente de que a Liturgia é um meio de passagem de nossa existência corporal para uma realidade espiritual. A Liturgia que celebramos aqui é como que um ensaio daquilo que será no céu. Por isso deve ser bem feita, pensada e estruturada, visando a participação de todos no todo da Liturgia.
            Na Liturgia, os sinais sensíveis são como que mediadores para compreendermos uma realidade invisível, ou seja, imploramos pela graça que opera em nós, por meio de sinais simbólicos, veículos condutores do sagrado, ao mesmo tempo transcendendo-nos. Essa linguagem nós a usamos para todos os sacramentos e sacramentais.
            A música litúrgica é um sinal sensível, por isso a música tem força sacramental, força de condução da graça, do mistério que está em sua letra, sua melodia perpassa para a voz de quem canta, na sua execução com ternura, ao mesmo tempo consciente da natureza desse mistério implícito. A música, quando bem feita, executada e cantada por todos, contém o verdadeiro sinal que expressa a unanimidade das vozes, simbolizando a unidade da Igreja reunida em assembleia.
            Quiçá, nós, músicos, possamos compreender que o Espírito opera em nós com sua força invisível. Oxalá nossa formação esteja voltada para apreender os segredos mistéricos que estão presentes nos ritos e nos ajude a elaborar cada vez mais uma música litúrgica que ajude o povo a corresponder melhor o transcendente.

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