Vigília da Ressurreição no Sábado Santo
Inicia-se
esta celebração com uma fogueira do lado de fora da Igreja, na qual é aceso o
círio, e solenizado com o canto do Exulte, que mais acentua um elogio à noite,
aquela em que Cristo ressuscitou. Por isso, como sinal cósmico, a noite em que
se realiza esta celebração é a lembrança daquela noite em que só ela
testemunhou a ressurreição.
Na
noite do Sábado Santo, cantamos o esplendor de uma luz que jamais se apagará.
Proclamamos as maravilhas de Deus que nos libertou das trevas da morte e nos
devolveu à vida. Revigoramos nosso compromisso batismal. E enquanto nos
alimentamos da ceia eucarística, cantamos: “Celebremos nossa páscoa na pureza,
na verdade. Aleluia!”[1].
Esta
noite é considerada especial, pois é celebrada “em honra do Senhor”, por isso a
chamamos como “mãe de todas as vigílias”, já que é nela que a Igreja toda
permanece à espera da ressurreição do Senhor e celebra-a com os sacramentos da
iniciação cristã[2].
Já
houve na história casos em que essa vigília foi antecipada para o período
vespertino, chegando a ser celebrada pela manhã. Com a reforma da Semana Santa,
a partir de 1955, Pio XII a retornou ao seu lugar de origem, ou seja, à noite.
É
uma noite memorável, pois lembra a libertação do povo hebreu, que livres da
opressão do faraó, no Egito, atravessaram o Mar Vermelho a pé enxuto. Esta
noite é para os judeus a lembrança de que Deus agiria em favor deles,
libertando-os. Como memorial que deveria ser perpetuado, a pedido mesmo de
Deus, nós a remetemos a Jesus, pois nesta noite, “Jesus rompeu o inferno, ao
surgir vencedor da morte” (cf. Missal Romano)[3].
É
acentuada nessa celebração, bem como em toda a Semana Santa, a orientação de
que pelo celebrar bem seja oferecido ao povo cristão a riqueza dos ritos e das
orações[4].
Também fala-se da verdade dos sinais, uma questão que ainda temos que trabalhar
muito em nossas celebrações, afinal a liturgia toda é feita de ações simbólicas
e gestos, que devem ser realizados com tal dignidade e expressividade[5].
A
Vigília Pascal tem a seguinte estrutura:
1. Na primeira parte começa com uma
reunião fora da igreja, acendimento e bênção do fogo novo com solene procissão
e apresentação do Círio Pascal, símbolo de Jesus ressuscitado, que vence a
escuridão da noite. Em elogio à noite e ao círio é cantado um hino (o Exulte
Pascal);
2. Na
segunda parte a Igreja contempla as maravilhas que Deus operou em favor do seu
povo desde o início. É neste momento que são lidas as leituras que resgatam a
ação de Deus libertando o seu povo. Todas as nove leituras desta noite são
intercaladas por orações e salmos responsoriais, que favorecem a meditação e o
silêncio. São sete leituras do AT e duas do NT: a Carta de Paulo aos romanos e
o Evangelho. O zelo estético que se dedicam os leitores e cantores deve estar
em atenção ao plano da participação mais atenta, vive e interior da assembleia.
3. A
terceira compreende às orações e o batismo daqueles que passaram por um
processo catecumenal. Por eles se rogam, pede-se a intercessão dos santos e
santas de Deus, a fim de que permaneçam nesse itinerário, agora sendo parte do
povo de Deus. A assembleia de batizados também faz memória de seu batismo,
ocasião em que foram regenerados pela água da vida, saindo de uma situação de
morte.
4. Na
última parte, a liturgia eucarística, ápice de toda a celebração, toda
assembleia, inclusive os que foram batizados, são convidados à mesa, preparada
pelo Senhor para o seu povo, como sinal memorial da sua morte e ressurreição. É
um sentido que podemos chamar de escatológico, em que se tem em mente a espera
do Senhor que um dia virá.
É
nesta noite que voltam com toda a força o Hino de Louvor e o Aleluia, que são
cânticos da assembleia ressuscitada, sinal do povo que se põe de pé, como a
multidão do Apocalipse vestida de branco, rumo à Jerusalém celeste.
Nesta
noite a páscoa de Cristo se faz a nossa páscoa, celebrada pela forma do sinal,
ou seja, do sacramento. Os elementos cósmicos desta celebração: fogo, água, pão
e vinho, nos recordam a atuação de Deus no plano da história da humanidade, que
quer salvá-la, ‘pascalizando-a’ por meio de Cristo Jesus.
Vigília
Pascal, o que deve ser levado em consideração:
Nas leituras:
Nas
leituras da Vigília Pascal, começando por Moisés e seguindo pelos profetas, a
Igreja interpreta o mistério pascal de Cristo. Essas leituras descrevem os
acontecimentos culminantes da história da salvação, que os fiéis devem poder
tranquilamente meditar por meio do canto do Salmo responsorial, do silêncio e
da oração de quem preside[6].
Importante
lembrar que o significado tipológico das leituras do AT tem suas raízes no NT,
e aparece sobretudo na oração pronunciada por quem preside depois de cada uma
das leituras. Uma breve introdução, para chamar a atenção dos fiéis, poderá ser
também útil para que se compreenda o significado das mesmas[7].
Abaixo
segue um esquema, deixado como exemplo de como as equipes de celebração poderão
estudar as orações entre as leituras, a fim de que preparem suas introduções e
comentários, ou até mesmo ajudem as comunidades a prepararem melhor essa
celebração, por meio de um retiro, por exemplo:
Oração após 1ª leitura:
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Significação tipológica
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Ó Deus,
à luz do Novo Testamento nos fizestes compreender
os prodígios de outrora
prefigurando no mar Vermelho a fonte batismal e,
naqueles que libertastes da escravidão, o povo
que renasce do batismo.
Concedei a todos os povos que, participando pela
fé do privilégio do povo eleito, renasçam pelo Espírito Santo.
Por Cristo, nosso Senhor.
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Invocação
Memória (anamnese): recorda que a própria Palavra
de Deus é interpretada por si (o NT explica o AT e vice-versa).
1º elemento tipológico: Mar Vermelho = fonte
batismal
2º elemento tipológico: povo liberto da
escravidão = povo renascido pelo batismo.
Súplica (pedido): que todos os povos participem
pela fé do privilégio de pertencer ao povo eleito (ou seja, que todos tenham
acesso às águas batismais).
Intercessão
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As
leituras desta noite têm caráter bastismal. É através dela que o catecúmeno se
conscientizara da ação de Deus atuando em sua vida através dos sacramentos. O relato dessas leituras nos faz entender que pertencemos a
um povo que tem sua origem na criação do mundo, em Gênesis, e que se
concretizou com Abraão, no intuito de percorrer lugares ainda incertos, mas
sempre com a companhia de Deus, muitas vezes passando por momentos de opressão
e de medo, até que aparece um libertador, que nos faz passar pelas águas da
vida, mudando de uma situação de penúria para uma realidade de libertação. Foi
assim mesmo que aconteceu com Jesus e com os profetas. Tinham o Espírito de
Deus consigo, que os animava a sempre fazer a vontade de Deus, que os
abastecia, com um coração novo, com água e com sua sabedoria. Nesta celebração,
ouvindo esses relatos, somos reabastecidos com a fonte viva, a fonte batismal,
e sabendo que o que aconteceu com Jesus é o mesmo que acontecerá com a gente
(Deus não nos deixará abandonado na região dos mortos), cantamos sua
ressurreição, explodindo num ‘louvai a Deus’, expressão do Aleluia pascal,
porque Cristo é o protótipo do vencedor, daquele que, passando pela escuridão
da noite, soube vencer o medo, a tristeza, até mesmo a morte. Por consequência disso,
partilhamos alegres, pão e vinho, para a nossa ceia com o Senhor e com os
irmãos, e prolongamos essa alegria por todo o tempo pascal, até Pentecostes,
ocasião em que a Igreja se vê ajuntada nessa esperança espiritual de ser dom
para a vida do mundo.
Nos
Salmos:
Salmo 103 (104): relata a criação, que não é
apenas boa, mas é sagrada, e é descrita e pensada na Bíblia dentro do esquema
da história da salvação, ou melhor, como primeiro ato da história. As
estruturas que sustentam a criação são o Espírito de Deus e a sua Palavra. Essa
narrativa da criação, na qual se faz nova à luz da experiência pascal, a Igreja
a lê na noite da Páscoa[8]. Contemplando este
salmo, Santo Agostinho diz que ‘o trabalhador divino põe diante dos nossos olhos
as maravilhas da sua obra, para estimular o nosso coração’[9].
Salmo 15(16):
este salmo exprime, na oração, o abandono confiante em Deus, em cujas mãos é
colocada a vida. A referência a Cristo ressuscitado está evidente no versículo:
“E minha carne repousa em segurança, porque não me abandonarás no túmulo, nem
deixarás o teu fiel ver a sepultura”[10]. Relata
a experiência de alguém que confia plenamente no Senhor, renunciando até a não
obedecer a outros deuses; em meio a alegria, sente-se seguro, pois sabe que em
Deus tem a garantia segura de que ele nem na morte o abandonará[11].
Êxodo 15: é o término da terceira
leitura. Uma espécie de continuação cantada daquilo que já foi lido.
Naturalmente é com esse texto que se desenvolve a tipologia batismal em que se
lembra da páscoa-passagem e da páscoa-paixão[12].
Salmo 29: este salmo é a ação de graças
de uma pessoa que se viu curada de uma doença mortal. O salmista começa por
glorificar o Senhor pelo que lhe fez, a seguir convida os fieis a cantar
salmos, só então dá inicio ao relato do que lhe aconteceu, por ter confiado nas
forças do Senhor[13].
Seus versículos são uma exaltação e um louvor ao Senhor “que tirou do túmulo a
minha vida, que me fez reviver dentre os que baixam à cova”, com evidente
referência a Cristo ressuscitado[14].
Isaías 12,1-6:
a celebração da páscoa, sacrifício de aliança universal, torna-se atual para
nós no convite à salvação que o profeta Isaías nos dirige na leitura anterior
(cf. Is 55,1-11). Esta salvação é celebrada com ação de graças pelo próprio
texto do profeta[15].
Salmo 18(8-11): este salmo celebra a
lei do Senhor. Se o pecado nos afastou de sua lei, o Espírito Santo, sabedoria
divina, nos reconduz a esta família e faz com que nela permaneçamos[16].
Salmo 41: com
este salmo a assembleia expressa o desejo do encontro com Deus. Santo Agostinho
viu neste salmo a oração dos catecúmenos, que se dirigiam para a graça do
batismo, a fim de obter a remissão dos pecados e saciar a sua sede espiritual
na fonte de água viva, que é Cristo Senhor. Com os versículos deste salmo
expressam-se os sentimentos de alegria e gratidão pelo dom de aproximar-se do
altar da eucaristia[17].
Aleluia: Santo
Agostinha dizia ao seu povo: “Com o canto do Aleluia nós expressamos a época de
alegria, de repouso e de triunfo representada aqui em baixo pelos dias do tempo
pascal. Contudo, ainda não possuímos o objeto de nossos louvores, mas suspiramos
à procura do verdadeiro Aleluia. O que é que significa Aleluia? Louvai a
Deus... Se, após a ressurreição do Senhor, este louvor multiplicou-se na
Igreja, isto significa que após a nossa ressurreição nós o cantaremos sem
interrupção. Assim, caríssimos, louvemos então o Senhor; repitamos Aleluia.
Representamos nestes dias do tempo pascal o dia que não terá fim; apressamos o
nosso caminho em direção à morada eterna... Cantamos Aleluia, mas ainda como
peregrinos e, cantando aliviamos as nossas fadigas; canta e caminha”[18].
Nas orações presidenciais:
Após
1ª leitura: coloca em relevo o significado da 1ª leitura (admirável grandeza de
Deus tão grande no começo do mundo quanto na plenitude dos tempos).
Após
2ª leitura: interpreta o texto do Gênesis em sentido batismal (responder à
graça do chamado através do batismo)
Após
3ª leitura: expressa a tipologia batismal do Êxodo (a água que liberta da
opressão é a mesma que acolhe para Deus, como filhos seus)
Após
4ª leitura: expressa o pedido de multiplicação dos descendentes (filhos), para
que a Igreja possa ver o desígnio de salvação já acreditado pelos pais.
Após
5ª leitura: sublinha o hoje da salvação (reavivar a nossa sede de salvação e
progredir nos caminhos da justiça pela força do Espírito)
Após
6ª leitura: invoca a proteção divina sobre aqueles que Deus fez renascer na
água do batismo.
Após
7ª leitura: suplica para que se realize na Igreja, sacramento de salvação, a
obra do Filho e que ela seja sinal para o mundo.
Após
o Hino de Louvor: acentua a ressurreição de Cristo que ilumina esta noite
santa, e suplica o despertar em todos o espírito filial para sermos fiéis ao
serviço (servir de coração).
Na Oração sobre as
oferendas a Igreja suplica ao Pai que a vida que brota do mistério pascal seja por
sua graça penhor da eternidade. Na Oração
pós-comunhão o pedido é que o Pai
derrame em todo o povo o seu espírito de caridade, para que, saciados
pelos sacramentos pascais, permaneçam unidos no seu amor. O Prefácio nos lembra
que Cristo é o Cordeiro, que com sua morte, destrói a própria morte, a fim de
que nos dê a vida.
Na liturgia
batismal:
O sinal a ser
evidenciado agora é a água. A atenção da assembleia se volta nesta parte da
celebração à fonte batismal. A fonte batismal é o lugar onde a Páscoa de Cristo
se fez nossa, no sinal de água e na procissão da fé trinitária. A fonte tem
dois sentidos: túmulo do pecado e ventre materno de onde nasce a vida (Cirilo
de Jerusalém). Desde os primeiros séculos a Igreja ligou a celebração do
batismo à noite pascal. O texto de Paulo (Rm 6,3-4: sétima leitura) desenvolveu
a teologia batismal, ligada com a ressurreição de Cristo: batismo é ressurgir
com Cristo para uma vida nova.
Assim, os Pais
da Igreja (Cirilo de Jerusalém, Gregório de Nazianzeno e Ambrósio), no século
II, ignorando a teologia batismal ligada à passagem do mar Vermelho,
desenvolveram uma nova teologia batismal, aplicando ao batismo como um
“sacramento pascal”, porque é “sacramento da paixão de Cristo”; posteriormente
no século IV, o caráter pascal é visto, de preferência, no fato de ser
“sacramento da ressurreição” (Tertuliano, Basílio e Agostinho). No entanto, foi
Melitão de Sardes quem desenvolveu uma teologia do batismo ligada ao martírio:
“Duas coisas provocam a remissão dos pecados: o martírio por Cristo e o
batismo”.
A oração de
bênção da água lembra através das Sagradas Escrituras todos os grandes temas
batismais acima expostos. A bênção da fonte significa que a graça do batismo
não brota da água como elemento material, mas do Espírito Santo que a
santifica. Isso é expresso através do sinal da imersão do círio na fonte
batismal. O batismo é ministrado nesta hora e, em seguida, toda assembleia
renova as promessas do batismo.
Na liturgia eucarística:
É o coração da
vigília pascal. Tudo o que a Igreja realiza durante todo o ano litúrgico
converge para esta missa e parte desta missa pascal. É nesta celebração que se
realiza verdadeiramente a instituição da Eucaristia, pois Eucaristia é mistério
pascal vivido e assimilado pela assembleia reunida em torno de Cristo
ressuscitado, com os sinais de pão e vinho, corpo e sangue doados pela vida do
mundo.
Conclusão:
É
urgente que o povo seja esclarecido sobre esses pontos. Mas, de que forma? É
simples. A liturgia é realizada por ações simbólicas, por isso é só fazer um
esforço conjunto de realizar essas ações e os gestos da liturgia com dignidade
e expressividade, de maneira que todos possam verdadeiramente compreender o
significado das orientações o orações litúrgicas[19]. O
significado também passa pela verdade dos sinais, isto é, que os símbolos
usados correspondam verdadeiramente àquilo que se propõem expressar. Melhor
dizendo, que o símbolo não seja uma imitação ou um simples objeto que adentra a
liturgia sem cumprir sua real função. O sinal visível, que é o símbolo, deve
nos reportar a uma realidade invisível, sobretudo se o povo pode perceber no
sinal essa realidade, melhor ainda o símbolo cumprirá sua função.
Do
ponto de vista pastoral há de se argumentar por uma tipologia visível ao Tríduo
Pascal. A linguagem dos fatos e da sua recíproca relação na unidade do plano de
Deus é uma linguagem universal de qualquer inteligência. É a linguagem da
Bíblia e, portanto, também da liturgia[20].
Há de se contemplar no tempo da Quaresma retiros especiais para que povo possa
melhor vislumbrar toda a riqueza mistagógica de que compõe essas celebrações. É
nos retiros quaresmais que se deve contemplar essa linguagem bíblica e
litúrgica. Um cuidado especial deve ter as equipes ligadas à liturgia desta
semana, proporcionando a todo povo uma participação ativa, frutuosa e
consciente, e não fazendo com que o povo se torne simplesmente um expectador.
É
bom que as celebrações do Tríduo Pascal conservem plenamente a unidade da obra
da redenção e do mistério de Cristo. Como se dá isso? O caráter representativo
e teatral deve ser abandonado, dando lugar ao caráter pascal, cujo pano de
fundo está na origem do Tríduo. Por isso, Bergamini orienta que na Quinta-feira
comemoraríamos a Pascoa-ritual; na Sexta-feira, a Páscoa-paixão, e, na Vigília
pascal, a Páscoa-ressurreição[21].
Indicamos nesse processo uma graduada mudança de compreensão das nomenclaturas
e dos títulos dados a esses dias. Tendo analisado muitos folhetos e folders da programação da Semana Santa
de muitas comunidades, ainda encontramos resquícios de uma compreensão ainda
pré-conciliar, ou pouco voltada àquela com que tratavam os Pais da Igreja e as
primeiras comunidades. Muitos desses folhetos voltam-se mais especialmente ao
vislumbre das encenações e das procissões com chamariscos ao caráter devocional
acentuadamente caracterizado nesta Semana. Esquecem-se até das orientações
lúcidas da carta de Preparação para as Celebrações das Festas Pascais. Há,
sobretudo, um exagero dado à adoração do Corpo do Senhor, prolongada até a
Sexta-feira da Paixão, com grupos se revezando no lugar da reposição,
contrariando até mesmo o que orienta a carta de Preparação para Celebrações das
Festas Pascais[22].
Ainda
há um exagero acentuado dado ao sacramento da Reconciliação, devido ao
mandamento da Igreja: ‘confessar-se ao menos uma vez por ano por ocasião da
páscoa da Ressurreição’. Preocupa-nos o fato de que este sacramento deixou de
ter seu sentido celebrativo passando
para uma obrigação moral. Com essa preocupação, o sacramento perde sua
característica batismal, pois a identidade do batizado é caracterizada por seu
discipulado, que ao longo do ano litúrgico, vai vivendo esse itinerário
pedagógico de conversão. Há muitas outras oportunidades durante o ano litúrgico
em que se deveria ligar o sacramento da reconciliação com a liturgia do
domingo, como por exemplo, o domingo do Filho Pródigo no Tempo Comum. Logo, a
conversão que se deseja é que se recupere a identidade de batizados, de povo
sacerdotal e não uma leitura que se entende de que se entrou num processo de
privatização excessiva do pecado, a ponto de conclamar a todos que confessem
seus pecados.
Um
exemplo bem concreto desse itinerário de reconciliação nos é dado pelo Ritual
de Iniciação Cristã de Adultos (RICA), que prevê pequenas celebrações ao longo
do processo do catecumenato, chamadas de escrutínios, que são uma espécie de
apuração[23] da conversão. O ritual é
muito realista, com essas pequenas celebrações e encontros, orienta o
catecúmeno a tomar consciência daquilo que já mudou em sua vida e do que ainda
é preciso mudar, de forma gradual. Isso é feito durante os escrutínios, que
acontecem durante o tempo da quaresma. Os escrutínios não são chamados de
celebrações penitenciais. O escrutínio é oferecido para os neo-batizados e o
sacramento da reconciliação para os já batizados. No catecumenato, segundo o
RICA, quem não é batizado pode se confessar sim, só não recebe a absolvição
durante o catecumenato, se for apenas receber os sacramentos da Confirmação e
Eucaristia. O adulto, na medida em que vai crescendo nesse caminho, tem
necessidade de falar de sua vida, de desabafar, de falar de suas faltas, é um
processo de reconciliação que vai se dando aos poucos, no cotidiano de sua
existência vital. É bom que não os impeça de fazer isso. Neste sentido, a
comunidade toda que já é batizada, pode ajudar esses catecúmenos no itinerário
de fé. Antigamente falava-se de um tempo de prova. Esse não aparece no ritual.
O RICA prevê que se saia da mentalidade do sofrimento do pecado, enfatizando
com seus ritos e celebrações o valor da graça, dando destaque a essa. Será se
conseguimos descobrir a importância da graça de Deus atuando em nós em todo o
ano litúrgico?
É
preciso resgatar que durante todo o ano litúrgico é motivo de reconciliação
para com os outros, que formam o povo de Deus, a Igreja, e que a confissão não
é o centro do sacramento, mas é a reconciliação com os outros, com o mundo, com
o cosmos. Quiçá nos comprometêssemos com isso, não apenas durante a Quaresma e
a Semana Santa, mas durante todo o ano. Portanto, é necessário se resgatar o
significado sacramental das liturgias da Semana Santa como um todo, a fim de
que possamos entender com maior clareza os mistérios de nossa fé que se
estendem por todas as celebrações. Seguramente entenderemos o próprio Mistério
Pascal, fonte e origem de nossa fé.
[1] Guia
Litúrgico-pastoral, CNBB, 2ª edição, p. 87-88
[2] PCFP, 77.
[3] PCFP, 52.
[4] PCFP, 93.
[5] PCFP, 82.
[6] PCFP, 85.
[7] PCFP, 86.
[8] Bergamini, Augusto. Cristo, festa da Igreja, p. 361.
[9] Saltério litúrgico, p.
469.
[10] Ibidem, p. 361.
[11] Saltério litúrgico, p.
61.
[12] Ibidem, p. 362.
[13] Saltério litúrgico, p.
130.
[14] Ibidem, p. 363.
[15] Bergamini, Augusto. Cristo, festa da Igreja , p. 363.
[16] Ibidem, p. 364.
[17] Ibidem, p. 364.
[18] Ibidem, p. 364 apud
Santo Agostinho, Enarr. In Os 110,1: PL 37, 1463.
[19] PCFP, 82.
[20] Bergamini, Augusto. Cristo, festa da Igreja, p.314.
[21] Ibidem, apud cf. RL
5/1989, numero monográfico sobre o Tríduo Pascal. Para o argumento, ver o
artigo: Dalla storia del Triduo Pasquale
ai problemi litúrgico-pastoral di oggi, pp. 529-540; a citação encontra-se
na p. 540.
[22] A capela da reposição
é preparada com a finalidade de conservar o pão eucarístico para a Comunhão,
que será distribuída na Sexta-feira da paixão do Senhor. Os fieis permanecem no
lugar da reposição até a meia noite, após esse horário, seja feita a adoração
sem solenidade, pois já começou o dia da paixão do Senhor, cf. PCFP, 55-56.
[23] Apuração é quando se
faz doce, diminuir a água, dar mais densidade ao doce; mexer o doce pra que ele
fique mais consistente.
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